terça-feira, 30 de outubro de 2018

Lima Barreto O Homem Que Sabia Javanês ( 1911)


Lima Barreto                          O Homem Que Sabia Javanês ( 1911)
EM UMA confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro, contava eu as partidas que havia pregado às
convicções e às respeitabilidades, para poder viver.
Houve mesmo, uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a
minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de
feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.
O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma
pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:
- Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo !
- Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras,
aborrece, não achas? Não sei como me tenho aguentado lá, no consulado !
- Cansa-se; mas, não é disso que me admiro. O que me admira, é que tenhas corrido tantas aventuras
aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.
- Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já
fui professor de javanês!
- Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?
- Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.
- Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?
- Bebo.
Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:
- Eu tinha chegado havia pouco ao Rio estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de
pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o
anuncio seguinte:
"Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas, etc." Ora, disse cá comigo, está ali uma
colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e
andei pelas ruas, sempre a imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem
encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e a língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo maleo-polinésico, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.
A Encyclopédiedava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em
consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e
mastigando letras. Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.
À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado,
ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de
manhã, o sabia perfeitamente.
Convenci-me que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me
encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:
- Senhor Castelo, quando salda a sua conta?
Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:
- Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e...
Por aí o homem interrompeu-me:
- Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?
Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem:
- É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?
Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos
portugueses:
- Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de
Macau. E o senhor sabe isso, Senhor Castelo?
Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele.
Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes
progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de
língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.
Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz,
Barão de Jacuecanga, à Rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que numero. E preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder "como está o senhor?" - e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei, para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É
mais fácil - podes ficar certo - aprender o javanês... Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, Com maternal carinho,
as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir a simpatia da
natureza...
Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava mal tratada, mas não sei porque me veio
pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver
anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos, estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou mal cuidadas.
Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado
os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam, porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças.
Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelo de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.
Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam
enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques,
pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele seu fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...
Esperei um instante o dono da casa. Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça
na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade
de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja
velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.
- Eu sou, avancei, o professor de javanês, que o senhor disse precisar.
- Sente-se, respondeu-me o velho. O senhor é daqui, do Rio?
- Não, sou de Canavieiras.
- Como? fez ele. Fale um pouco alto, que sou surdo, - Sou de Canavieiras, na Bahia, insisti eu. -
Onde fez os seus estudos?
- Em São Salvador.
- Em onde aprendeu o javanês? indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.
Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai
era javanês. Tripulante de um navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de
Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.
- E ele acreditou? E o físico? perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.
- Não sou, objetei, lá muito diferente de um javanês. Estes meus cabelos corridos, duros e grossos e a
minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço de malaio...Tu sabes bem que, entre
nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e
tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.
- Bem, fez o meu amigo, continua.
- O velho, emendei eu, ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, pareceu que
me julgava de fato filho de malaio e perguntou-me com doçura:
- Então está disposto a ensinar-me javanês?
- A resposta saiu-me sem querer: - Pois não.
- O senhor há de ficar admirado, aduziu o Barão de Jacuecanga, que eu, nesta idade, ainda queira
aprender qualquer coisa, mas...
- Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito fecundos... ? .
- O que eu quero, meu caro senhor....
- Castelo, adiantei eu.
- O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor
sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou
siamês que lho dera, em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer
meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me quem mo
deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo o caso,
guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que teu filho o
entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz." Meu pai, continuou o velho barão, não acreditou muito na
história; contudo, guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em
começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até a
esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto desgosto, tantas desgraças têm
caído sobre a minha velhice que me 1embrei do talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, se
não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro,
que preciso entender o javanês. Eis aí.
Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e
perguntou-me se queria ver o tal livro. Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e
explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém,
estava reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.
Veio o livro. Era um velho calhamaço, um in-quarto antigo, encadernado em couro, impresso em
grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da
impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do
príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.
Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou
tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda folheando o cartapácio, à laia de quem sabe
magistralmente aquela espécie de vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora,
comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.
Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não
conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto
levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e
desaprendia.
A filha e o genro (penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram a coisa boa para distraí-lo.
Mas com o que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro ficou tendo
pelo professor de javanês. Que coisa Única! Ele não se cansava de repetir: “É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava !”
O marido de Dona Maria da Glória (assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem
relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu
javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e
pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.
Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao
velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens !...
Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia aos seus olhos !
Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. Passava, enfim, uma
vida regalada.
Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu parente esquecido que
vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a cousa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.
Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo que me aparecesse pela frente
alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande, quando o doce barão me mandou com
uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a
minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. - "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe
javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi
um sucesso.
O diretor chamou os chefes de secção: "Vejam só, um homem que sabe javanês - que portento!"
Os chefes de secção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"
O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei canaque. O senhor
sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.
A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, concertou o pince-nez no nariz e perguntou:
"Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história
do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro, o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se
presta... O bom seria um consulado na Ásia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o  senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano, parta para
Bâle, onde vai representar o Brasil no Congresso de Lingüística. Estude, leia o Hovelacque, o Max Müller, e
outros!"
Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.
O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse  a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.
Pus-me com afã no estudo das línguas maleo-polinésicas; mas não havia meio!
Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola
aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue Anthropologique et Linguistique,
Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo Glottologico Italiano , o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aos outros: "Lá vai o sujeito que sabe javanês." Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de entenderem o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do Comércio um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e moderna...
- Como, se tu nada sabias? interrompeu-me o atento Castro.
- Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas
poucas de geografias, e depois citei a mais não poder.
- E nunca duvidaram? perguntou-me ainda o meu amigo.
- Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo
bronzeado que só falava uma língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui
também chamado, com todos os respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir,
mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez
compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês - uf!
Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à inauguração e às
sessões preparatórias. Inscreveram-me na secção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz
publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente  pediu-me desculpas por me ter dado aquela secção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu  americano brasileiro, me estava naturalmente indicada a secção do tupi- guarani. Aceitei as explicações e até  hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.
Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle , em Berlim, em Turim e
Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-
me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a
herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.
Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da república, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.
Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis anos e para onde voltarei, a
fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.
- É fantástico, observou Castro, agarrando o copo de cerveja.
- Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser ?
- Que?
- Bacteriologista eminente. V amos?
- Vamos.
Publicado em 1911 na Gazeta da tarde







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 1-FALE SOBRE LIMA BARRETO- sorteio  dos grupos –
2- CONTEXTO HISTÓRICO  -1911                     (PRÉ-MODERNISMO1902 )  Guerra do Contestado:A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana; A revolta da Vacina- sorteio  dos grupos –
Questões- GRUPO DE 4 ALUNOS- (total 6 grupos )- SORTEIO – GRUPOS
1.       Personagens principais:
2.       Características físicas e psicológicas:
3.       Qual o foco narrativo? Primeira ou terceira pessoa? Justifique apresentando um  trecho da obra.
4.       O que é o Javanês?
5.       Qual a situação de Castelo antes de se tornar professor de “javanês”
6.       Quem é o doutro Manuel Feliciano Soares Albernaz. Qual a importância desse?
7.       Qual a descrição feita por Castelo, da residência que  iria ministrar aula de javanês?
8.       Questionado  onde  aprendeu javanês, qual a resposta de Castelo?
9.       Por que o Barão de Jacuecanga queria aprender Javanês?
10.   Qual a reação da filha e do genro do Barão Jacuecanga ao saber que ele queria aprender Javanês?
11.   De que forma eram as aulas de javanês?
12.   Quais as vantagens de Castelo em ser professor de javanês?
13.   A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo bronzeado que só falava uma língua esquisita” Quem era esse sujeito? Ele apresentava problema para castelo? Quais e Por quê?
14.   O que castelo fez em Havana? Quanto tempo ele permaneceu lá? Qual sua função?
15.   Diante dos fatos, Castelo seria considerado um vilão, ou apenas uma vítima da sociedade vigente?
16.   Qual a crítica presente no livro? Ainda percebemos atos como estes? Discorra.
17.   Qual sua avaliação sobre o livro? Superou suas expectativas? Discorra.
18.   O que seriam “as partidas que [Castelo] havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver”?
19.    Você acha que Castelo teve alguma preparação técnica para exercer os cargos de “feiticeiro e adivinho”?
20.    Quais são as duas críticas que Castro faz ao Brasil logo no começo da história?
21.    Cite duas evidências de que Castelo passava por dificuldades financeiras no começo da história que ele está narrando.
22.    Considerando que o “encarregado dos aluguéis dos cômodos” não era o proprietário, mas sim um mero funcionário, indique duas razões para que ele tenha se ‘esquecido’ de cobrar os aluguéis do Sr. Castelo.
23.   Indique três (ou mais evidências) de que o doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz seja uma pessoa de posses.
24.   Indique três (ou mais evidências) de que o poder financeiro do doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz está em decadência.
25.   O que a seguinte descrição lhe sugere: “um antigo preto africano, cujas barbas e cabelo de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento”?
26.    Indique uma evidência de que o avô do doutor Albernaz tenha sido uma pessoa importante.
27.    Em sua opinião, o doutor Albernaz é um cético ou um supersticioso?
28.   Sabendo que os admiradores do professor de javanês não tinham motivo real para admirá-lo, porque você acha que eles o admiravam?
29.    O doutor Albernaz lhe parece um homem dedicado e trabalhador?
30.   No decorrer da história, é dito a Castelo que “seu físico não se presta”. O que está por trás dessa afirmação?
31.   O que o seguinte trecho lhe diz: “Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas”?
32.               Na página 57, há um trecho confuso “ofereceram-me um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos”....
 33-No conto "O homem que sabia javanês", da obra "Os melhores contos de Lima Barreto", o personagem demonstra esperteza e consegue muitos feitos por dizer saber uma língua que, na verdade, não existe: o javanês.  V  (  )    F  (  )
34- Explique os Temas:
A ascensão e glória de Castelo;
a artificialidade de alguns intelectuais;
a política dos favores;  
a eficiência dos títulos num país de doutores.

  LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:
1-      CONSIDERAÇÕES             GRUPO 1
Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1911, pela Gazeta da Tarde. Relato satírico, é uma medida exemplar do talento de Lima Barreto com contista. E também de sua modernidade. Apesar da data, o tema continua atualíssimo.
       Afinal, quanto de nós já não nos deixamos impressionar pelo difícil palavreado médico, que parece guardar nossa salvação ou condenação? E o que dizer da estranha língua em que os economistas tentam justificar a pobreza do país? Político tem de falar bonito, o que muitas vezes equivale a falar difícil. Muita gente não entende, mas respeita. Principalmente porque não entende.
       Médicos, economistas, políticos e seus "códigos secretos" - quem há de negar que são homens cultos a quem essa sabedoria, embora traduzida de maneira incompreensível à maioria, garante respeito, autoridade, poder?
       É a irreverência estúpida a esse saber exótico, cifrado que Lima Barreto satiriza no conto. Um tema caro ao autor, quase uma causa que ele discute em várias de suas obras. A ascensão e glória de Castelo, porém, servem para a discussão de outros temas: a artificialidade de alguns intelectuais, a política dos favores, a eficiência dos títulos num país de doutores.
       No conjunto, esses assuntos formam um retrato de uma faceta do Brasil e do brasileiro. O retrato ressalta a nossa melancólica vocação para o improviso, para o oportunismo dos muitos "Castelos" da vida nacional. No país das trapalhadas, a desordem é legítima pr uma ordem feita apenas de aparências.
       Avesso e complemento, a desordem mina a ordem social pelo protecionismo, pelos favores, pelo respeito a títulos, rótulos em si suficientes para garantir status. O saber ajuda. Mas para a ascensão social talvez importem mais as relações com pessoas influentes, a proximidade com o poder e a fabricação de uma imagem do que um saber verdadeiro. Assim, a tal "desordem" transforma-se em uma espécie de ordem que convive com a outra, a das leis, normas, a da burocracia.
       Castelo sabe disso. Como bom malandro, sabe aproveitar o minado universo da ordem para dar seu golpe de mestre. Como ele mesmo diz, é um Brasil burocrático e imbecil que se acham as oportunidades para as "belas páginas da vida".

 2-Personagens- GRUPO 2
  LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:

       É o próprio Castelo quem narra sua história. O que sabemos dele? Nada de suas origens. Apenas que frequentou a escola da malandragem. Viajado, vivia de cambalachos, de pequenos expedientes. Embora não tivesse dinheiro, tendo de se mudar de pensão por falta de pagamento, não quer saber de trabalho regular, com horário e monotonia. Seu universo, até conhecer o barão, era o das ruas, dos bondes lotados, dos pagamentos atrasados. Obrigado a se virar, Castelo aprende a ter olho para as oportunidades, para as trambicagens rendosas. Disposto a levar vantagem em tudo, não tem escrúpulos em enganar, mentir para defender o seu.
       Mas para haver malandro é preciso haver otário. No conto, esse papel é protagonizado pelo Barão de Jacuecanga, aluno de javanês, preocupado apenas em garantir a boa forma de sua descendência. Seu interesse pelo javanês é apenas aparente. Apesar do título e do dinheiro, é supersticioso; teme não cumprir o desejo do pai e condenar a família à infelicidade. Ingênuo, tolo, cai em todas as mentiras de Castelo. Afinal, não é todo dia que se encontra um professor de javanês! Superficial, sem um interesse real pela tal língua, bastam-lhe o título e o cumprimento formal de um pedido.
       Ao lado do barão estão todos aqueles que estupidamente vêem em Castelo a imagem que o velhote ajudou a criar - a de um sábio respeitável. O título de professor de javanês cala a cobrança do empregado de pensão. "É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! Onde estava!", admira-se o genro do barão. Chefes de seções do serviço público, os informados da rua e até o Visconde de Caruru - todos reconhecem nele um ser superior, especial, digno de todo o respeito. O título gera fama e prestígio que a personagem sustenta aplicando golpes sucessivos, safando-se, na malandragem, das situações difíceis.




3-Enredo -GRUPO 3   LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:

        Mas não é só a boa-fé dos outros que ajuda Castelo. Ele também conta com a sorte para livrar-se das armadilhas que o enredo lhe prepara. É o caso do marujo javanês a quem quase teve de servir de intérprete. No último momento, o cônsul holandês, adiantando-se à demora do "professor", impede que este seja desmascarado. É o caso também do congresso de sábios. Por um engano, é mandado para a seção de tupi-guarani, que se reunia em Paris. Assim não teve de provar seus conhecimentos de javanês. Sem nenhum escrúpulo, tira o melhor proveito da situação e volta consagrado pelos artigos publicados em jornais europeus e pelo banquete que lhe foi "oferecido" em Paris - promoções que ele mesmo financia. Dos sábios fica um retrato ridículo; toda a sua sabedoria não serve sequer para desmascarar um impostor espertalhão.
      Os lances de sorte não param por aí. Há também o caso da herança que o barão recebe de um parente português e que, ao morrer, deixa, quase toda, para Castelo. Por sorte, o aluno de javanês e seu genro conhecem o Visconde de Caruru, que, como bom arranjador de empregos, coloca Castelo na carreira diplomática. O retrato do visconde é tão grotesco quanto o do barão. Ambos se enquadram naquilo que Lima Barreto chamava de "as escoras sabichonas", ou seja, gente poderosa e rica mas estúpida.
       Heranças inesperadas, imprevistos salvando a personagem no último instante: o enredo é temperado com ingredientes do folhetim - histórias que no século XIX eram publicadas em capítulos nos jornais. Nessas histórias , o destino sempre tramava acontecimentos inesperados que transformavam a vida das personagens. Essa força fora do controle das personagens servia para dar verossimilhança à história, ou seja, para justificar alguns fatos do enredo.
       No conto de LB isso também acontece. Castelo, por exemplo, não poderia gastar tanto dinheiro com banquetes e publicações em jornais do exterior se não tivesse recebido a herança do barão. Este, por sua vez, não poderia dar todo esse dinheiro a Castelo se não o tivesse recebido do parente português.
        Os lances folhetinescos também criam suspense na história, pois colocam a personagem em perigo. O herói é quase desmascarado, mas salvo no último instante como os heróis do folhetim.


4-Linguagem GRUPO 4
  LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:

       Esperto, sortudo, Castelo também é debochado. É em tom de piada que ele narra sua história ao amigo Castro. A situação cria um clima informal para a conversa. Estão em uma confeitaria,bebendo cerveja. Nesse contexto, o caso ganha ares de assunto mundano. Um caso engraçado para se contar em mesa de bar. O golpe do narrador vira uma anedota que ridiculariza ainda mais todos os que acreditaram nele, tornando-os caricaturas grotescas da ingenuidade, da estupidez. O tom da narração sugere que a safadeza, a malandragem são motivos de orgulho para o narrador. Ele aprendeu que o reconhecimento social nada tem a ver com verdades.. Por isso pode contar seu grande golpe sem culpas, e até rir daqueles que o levaram a uma glória confortável.
       Castro, seu interlocutor, pouco interfere na narrativa. Na verdade está mais próximo do leitor que de Castelo. Entre incrédulo e ingênuo, suas observações são as que qualquer um de nós poderia fazer diante de uma história tão "absurda". A ingenuidade de Castro acaba por reforçar a esperteza de Castelo, que, ao lado dele, parece muito mais habilidoso e experiente no jogo das relações.
        O tom da narração determina também a linguagem do texto: coloquial, tão informal quanto a situação em que se encontram as personagens. Construções sintáticas simples, gírias e expressões do cotidiano somam-se ao humor do narrador para transformar o conto num flagrante do cotidiano, com jeito de crônica carioca.

5- Espaço- GRUPO  5
  LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:
     A cidade que LB tanto amava não poderia estar ausente do relato. O Rio de Janeiro de seu tempo aparece na confeitaria onde os amigos conversam, nos bondes cheios de "cadáveres", na referência à Biblioteca Nacional, ao Jornal do Comercio, à rua Conde do Bonfim.
     Mas nesse espaço também se notam os limites sociais que Castelo, em sua trajetória, consegue romper. Ao mundo das pensões e dos bondes lotados opõe-se a reconfortante alameda de mangueiras da casa do barão, com suas porcelanas finas e retratos emoldurados em dourado, a própria confeitaria, lugar, naquele tempo, refinado e frequentado pela burguesia bem-sucedida. O fechado mundo do barão cede, afinal, à malandragem que Castelo aprendeu no mundo da rua. Ao ceder, esse mundo fechado, aparentemente ordenado, torna-se cúmplice da malandragem.

6-Comentário final- GRUPO 6
  LEIA E EXPLIQUE COM SUAS PALAVRAS:
     Vítimas da própria estupidez, e por isso mesmo, o barão, seu genro, os sábios e todos os que se convenceram da notoriedade de Castelo legitimam suas ações, suas mentiras. Além da estupidez, homens regidos por uma política corrupta, regida pelos favores são aspectos de uma realidade minada pela desordem - o avesso daquilo que se apresenta como ordem.
      Com a história de Castelo, LB nos apresenta um país sem leis e pouco preocupado com verdades, talentos ou inteligências sinceras. Embora satírico, O homem que sabia javanês é uma crítica áspera "aos políticos e aos donos da vida em geral, à mania de ostentação, ao vazio intelectual e à incompetência" - denúncias que, lamentavelmente, permanecem atuais.



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