terça-feira, 9 de maio de 2023

PRODUÇÃO ESCRITA: LEIA O TEXTO "MEU TIO JULES" E CONTINUE A HISTÓRIA

 

PRODUÇÃO ESCRITA: MEU TIO JULES                          CONTINUE A HISTÓRIA

Leia o texto: “Meu tio Jules”  de Guy de Maupassant

Um velho mendigo de barbas brancas pedia esmolas na rua. Para minha surpresa, meu amigo Davranche  lhe deu cem souls, uma quantia alta. E assim explicou:
          - Um coitado como esse me lembra uma  história, que me persegue a vida toda...se você quiser ouvir, eu a contarei.
          Claro que queria! Então foi isto que ouvi...
           Minha família é originária do Havre e não era rica. Meu pai tinha um pequeno comércio e trabalhava de manhã à noite; ganhava pouco. Eu tinha duas irmãs.
           Mamãe sofria muito com o aperto em vivíamos e sempre tinha uma língua muito cruel para com papai. O pobre homem nada respondia, apenas se encolhia diante das broncas. A submissão e a covardia dele sempre me magoaram profundamente. Mas era um garoto, não tinha o direito de opinar.
           Isso não impedia minha revolta, mas em silêncio.
           Economizávamos em tudo: nunca aceitávamos um jantar para não ter que retribuir, aproveitávamos os restos de comida para o dia seguinte, minhas irmãs costuravam as próprias roupas. Faziam-se cenas pavorosas por causa de botões perdidos ou calças rasgadas.
            Aos domingos, porém, íamos passear pelos cais, vestindo nossas melhores roupas. Meu pai usava casaca, minhas irmãs seguiam na frente, sorridentes, porque estavam em idade de se casar e assim tentavam atrair algum pretendente.  Nunca me esquecerei do modo solene com que meus pais se comportavam, nesses passeios de domingo. Era um ritual. Seguíamos até o porto e, diante dos enormes navios que vinham de terras distantes, papai repetia as mesmas palavras:
            - Hein? O que acha querida? Já imaginou, se Jules estiver dentro de um desses barcos? Que surpresa!
Meu tio Jules, irmão de papai, representava nossa última esperança. Desde bebê eu ouvia falar do tio Jules. Ele havia  usado sua parte do dinheiro que deveria ser de papai.
             Naquela época, para que a família não se envergonhasse mais ainda, era costume enviar a ovelha negra para a América. Foi o que fizeram: embarcaram tio Jules num navio que ia de Havre para Nova York e, por um tempo, nada mais se soube dele.
             Porém chegou uma carta. Parece que meu tio Jules começou a negociar com não sei o que,e dizia juntar dinheiro. Em breve, pretendia recompensar a família.
Claro que a notícia era ótima, a carta foi mostrada pela cidade inteira...Em outra ocasião, um capitão disse a papai que tio Jules havia alugado uma loja ampla e que estava enriquecendo.
             Uma segunda carta chegou, dois anos depois da primeira. Dessa vez, tio Jules dizia uma viagem para a América do Sul, atrás de um ótimo negócio, e que provavelmente ficaria alguns anos sem enviar notícias. Mas afirmava que voltaria rico.
             Com efeito, durante dez anos não se teve notícias de tio Jules. Por isso, nos passeios dominicais, papai sempre vinha com aquela alegre possibilidade. Era como se tio Jules pudesse aparecer no convés e,acenando um lenço, trazer-nos o mais rico dos futuros.
             Por aquela época, minha irmã mais nova estava com 20 anos, a outra,26. Não se casavam, e isso era outro motivo de desgosto para meus pais.
            Afinal,  apareceu um pretendente para a mais nova. Era um empregado de banco, sujeito trabalhador, embora não fosse rico. Tenho a certeza de que a carta do tio Jules, exibida certa noite, apressou a decisão do rapaz em marcar a data do casamento.
            A família combinou que, após o casamento, todos iríamos fazer uma pequena viagem até Jersey.
            Jersey era a excursão ideal para os pobres. É uma ilha próxima a Havre, mas pertence à Inglaterra.
            Dá a pretensão de que se visitou terra estrangeira. Todos concentramos os maiores esforços para que a viagem fosse inesquecível...Como realmente acabou sendo.
            Embarcamos num vapor. O mar estava liso como uma mesa de mármore verde. Víamos a costa distanciando-se. Estávamos tão orgulhosos com nossa aventura! Meu pai, especialmente.  Sua casaca brilhava, e o cheiro de benzina, que sempre era usada para tirar as manchas, ficou marcado na minha lembrança.
            Acontece que papai viu, ali no convés, dois ingleses oferecendo ostras para duas senhoras elegantes.
            Um marinheiro sujo e maltrapilho abria as conchas e as entregava aos cavalheiros.
            Papai achou aquilo tudo de muito bom gosto e consultou minha mãe, sobre comerem ostras.
            Mamãe temia pela despesa. Afinal, fez algumas reservas:
            - Tenho medo de que embrulhem o estômago. Ofereça algumas às meninas. Não muitas, que podem lhes fazer mal. Ah, quanto a Joseph, não há necessidade. Os meninos não devem ser assim tão mimados.
            Apesar de achar injusto, não tive como reclamar. Então permaneci ao lado de mamãe, enquanto papai foi até o marinheiro junto com minhas irmãs. Eu o ouvi pedir as ostras. Tentou mostrar como deveriam comê-las e acabou derrubando a água da concha sobre o casaco.
            - Desastrado! - reclamou mamãe.
            Mas logo entendi que alguma coisa afetava meu pai. Deixou minhas irmãs e o genro comendo as ostras e se aproximou de nós. Murmurou:
            - Estranho...É extraordinário como aquele marinheiro que abre as ostras se parece com Jules. Se eu não soubesse que ele anda pela América do Sul, diria que é ele.
            - Você está louco! - disse mamãe. - Essa ostra já está lhe fazendo mal.
            - Não, querida. Vá você mesma lá perto e olhe...
            Mamãe disfarçou um pouco e se aproximou do marujo. Voltou ao nosso encontro, indignada. Ordenou a papai:
             - Vá pedir informações ao capitão. Creio que é ele mesmo. Seja discreto, só falta esse patife cair nos nossos braços, agora!
             Acompanhei meu pai no encontro com o capitão. Conversaram um pouco sobre amenidades e afinal papai se mostrou interessado pelo marinheiro, que lhe parecia familiar. Então ouvimos:
            - É um velho vagabundo francês que encontrei na América no ano passado e a quem repatriei - disse o capitão. - Ao que me parece, tem parentes no Havre, mas não quer voltar para junto deles, pois lhes deve dinheiro. Chama-se Jules...Parece que chegou a fazer fortuna na América, mas o senhor bem se vê a que ficou reduzido.
             Meu pai ficou pálido, suas mãos tremiam...Voltamos até onde estava mamãe e lhe demos a má notícia.
             - Que faremos, que faremos? - dizia papai, transtornado.
             Mamãe respondeu rapidamente:
             - É preciso afastar as meninas. Já que está a par de tudo, Joseph, vá chamá-las. É preciso tomar cuidado para que nosso genro nada perceba.
            - Que catástrofe! - meu pai parecia desesperado.
            - Bem que eu desconfiava que aquele gatuno não ia fazer coisa que prestasse! - mamãe estava furiosa.
            - Como se fosse possível esperar algo de bom de um Davranche!
             Meu pai passou a mão pela testa, como fazia quando ouvia as terríveis broncas da esposa.
             Mamãe abriu a bolsa e tirou de lá uma moeda de cem souls. Enfiou a moeda em minha mão, dizendo:
              - Vá pagar as ostras, Joseph. Só falta agora esse mendigo nos reconhecer! Que belo espetáculo no navio! Vamos para o outro lado, para que esse homem não se aproxime de nós!
              Fiz o que ela mandava. Disse às minhas irmãs que mamãe as chamava e, voltando-me para o marinheiro, perguntei quanto lhe devíamos. Tive vontade de acrescentar "meu tio" à frase, mas não o fiz. Ele respondeu:
             - Dois francos e cinquenta.
             Estendi-lhe a moeda e peguei o troco.
             Olhei  bem para aquela pobre mão de marinheiro, toda enrugada, e olhei fixamente seu rosto, um rosto envelhecido, gasto, triste, abatido, enquanto dizia comigo mesmo: "É meu tio, irmão do papai, meu tio!".
              Dei-lhe dez souls de gorjeta. Agradeceu-me;
              - Que deus o abençõe, meu rapazinho!
              Havia em sua voz a entonação do pobre que recebe esmola. Imaginei se na América não teria mendigado.
             Quando entreguei o troco à minha mãe ,ela se espantou:
             - Ele cobrou três francos?...Não é possível!
             - Dei-lhe dez souls de gorjeta.
            Que assombro o de mamãe! Criticou entre dentes, para não despertar atenção:
            - Você está louco, Joseph! Dar dez souls para aquele homem, para aquele mendigo!
            Pois bem, a viagem chegava ao fim. A ilha de Jersey estava próxima. Antes de descer do navio, tive o impulso de ver uma última vez meu tio, mas o marinheiro havia desaparecido. Sem dúvida, o pobre homem descera ao fundo do porão onde morava.
            Na Volta, meus pais pegaram outro navio, para não correrem o risco de encontrarmos tio Jules.
            Meu amigo Davranche olhou fixamente para mim, guardou a carteira no bolso e deu um sorriso triste, antes de concluir:
           - Nunca mais vi o irmão de meu pai! E aí está o motivo por que, às vezes, você me verá dando esmolas de cem souls aos velhos mendigos.

 

 

 

 

 

 

 

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