Atividade Sugerida – Análise Comparativa: Sertão e Silêncio em Três Obras da Fuvest 2026
Obras:
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Vidas Secas, de Graciliano Ramos
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Nove Noites, de Bernardo Carvalho
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Campo Geral, de Guimarães Rosa
Proposta de Análise:
Compare como essas três obras constroem a imagem do sertão e dos sujeitos que o habitam, com atenção especial à função do silêncio em cada narrativa. Considere o contexto de cada obra e o papel do narrador.
Sugestão de Resposta / Modelo de Análise:
Nas três obras — Vidas Secas, Nove Noites e Campo Geral — o sertão não é apenas um cenário físico, mas um espaço simbólico que molda profundamente os personagens e suas formas de viver, sentir e se expressar.
Em Vidas Secas, o sertão é sinônimo de escassez: de água, de recursos, de palavras. O silêncio é brutal, imposto. Os personagens vivem em uma luta constante contra a miséria, e o silêncio representa a impotência diante das estruturas sociais opressoras. Fabiano quer ser “um homem”, mas não consegue sequer articular seus sentimentos. A linguagem é falha ou inexistente.
Em Nove Noites, o sertão ganha contornos de enigma e fronteira cultural. O silêncio é mais psicológico e existencial. Buell Quain, o antropólogo, mergulha num mundo que não compreende totalmente. Sua tentativa de traduzir o outro (os indígenas) e a si mesmo esbarra nos limites da linguagem e da razão. Aqui, o silêncio é o espaço do mistério, daquilo que não se pode decifrar — nem o narrador-jornalista, nem os documentos conseguem dar conta do “real”.
Já em Campo Geral, de Guimarães Rosa, o sertão é visto pelos olhos infantis de Miguilim, um menino sensível que vive entre o encantamento e o sofrimento. O silêncio aqui também aparece como forma de resistência e percepção do mundo. Muitas vezes, Miguilim não entende o que acontece ao seu redor, mas sente tudo intensamente. Seu silêncio é mais lírico e simbólico, uma forma de capturar a complexidade da infância e das emoções que não cabem em palavras.
Conclusão:
O silêncio assume diferentes papéis nas três narrativas. Em Vidas Secas, ele é consequência da opressão social; em Nove Noites, é sinal do limite entre o saber e o não saber; e em Campo Geral, é a linguagem da sensibilidade e do olhar infantil. Em comum, essas obras mostram que o sertão, além de lugar físico, é um território existencial onde o silêncio fala — e muito.
FICHA COMPARATIVA – Sertão e Silêncio nas Obras da Fuvest 2026
Obra | Representação do Sertão | Função do Silêncio |
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Vidas Secas (Graciliano Ramos) | Sertão árido, opressor, marcado pela seca e miséria. Lugar de exclusão social e luta pela sobrevivência. | Imposição social e econômica. Personagens não têm acesso à linguagem e ao saber. Silêncio = opressão. |
Nove Noites (Bernardo Carvalho) | Sertão como território enigmático e de fronteira cultural. Um espaço entre o mundo ocidental e o indígena. | Representa o mistério, a incomunicabilidade e os limites da linguagem. Silêncio = o indizível. |
Campo Geral (Guimarães Rosa) | Sertão lírico e sensorial, visto pelos olhos de uma criança. Ao mesmo tempo rude e encantado. | Expressa o universo interior de Miguilim. Silêncio = sensibilidade e percepção não racional. |
ROTEIRO DE REDAÇÃO DISSERTATIVA – Tema: O Sertão e o Silêncio na Literatura Brasileira
Introdução:
Apresente as três obras. Destaque o sertão como elemento comum e o silêncio como recurso narrativo importante. Proponha a discussão: Como o silêncio se relaciona à experiência sertaneja e subjetiva nas três obras?
1º Parágrafo – Vidas Secas:
Analise como o sertão é opressor e o silêncio representa a exclusão e a limitação dos sujeitos. Dê exemplos de Fabiano e da dificuldade de comunicação.
2º Parágrafo – Nove Noites:
Discuta o sertão como fronteira simbólica e cultural. O silêncio de Quain e do narrador revela o enigma e o fracasso da compreensão total do outro.
3º Parágrafo – Campo Geral:
Mostre como o sertão é sensível e emocional na visão de Miguilim. O silêncio aparece como forma de sentir, e não como ausência de linguagem.
Conclusão:
Retome a ideia de que o silêncio, em suas diferentes formas, aprofunda a vivência dos personagens diante do sertão. Ele denuncia, oculta ou revela — dependendo do olhar.
EXEMPLO:
O Sertão e o Silêncio: Vozes Caladas na Literatura Brasileira
Na literatura brasileira, o sertão é mais que um espaço geográfico: é um território simbólico onde se desenrolam dramas humanos profundos, muitas vezes marcados por ausências — de recursos, de palavras, de compreensão. Nas obras Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Nove Noites, de Bernardo Carvalho, e Campo Geral, de Guimarães Rosa, o silêncio surge como elemento narrativo crucial. Seja como reflexo da miséria, como metáfora do mistério ou como expressão do sentir, o silêncio se entrelaça à experiência sertaneja e subjetiva dos personagens, revelando camadas da existência que vão além da linguagem explícita. Nesse contexto, é possível perguntar: como o silêncio atua nessas narrativas e o que ele revela sobre o sertão e seus sujeitos?
Em Vidas Secas, o silêncio está diretamente ligado à opressão social e à exclusão dos sujeitos que vivem no sertão. Graciliano Ramos retrata um ambiente hostil, onde a linguagem se torna um privilégio inacessível. Fabiano, protagonista da narrativa, sente intensamente, mas é incapaz de nomear seus sentimentos e pensamentos com clareza. Ele gostaria de ser reconhecido como um “homem”, mas não possui as ferramentas simbólicas para se afirmar diante do mundo. Sua fala é truncada, limitada, e muitas vezes substituída por silêncios que denunciam não apenas a seca da terra, mas também a aridez da comunicação. O silêncio, nesse caso, não é escolha: é consequência da desigualdade, da marginalização e do analfabetismo imposto.
Já em Nove Noites, o silêncio assume uma forma mais complexa e enigmática. O sertão, aqui, é um espaço de transição e de choque entre culturas — o universo do antropólogo americano Buell Quain e o dos indígenas Krahô. Bernardo Carvalho constrói sua narrativa a partir da ausência: a ausência de respostas sobre o suicídio de Quain, a ausência de clareza nas cartas deixadas, a ausência de uma explicação definitiva. Tanto o narrador-jornalista quanto os personagens envolvidos tentam decifrar um enigma que escapa constantemente à razão. O silêncio se torna, portanto, metáfora do inatingível, daquilo que não se traduz. Mais do que falta de fala, é a percepção dos limites do conhecimento e da linguagem diante do outro — especialmente quando esse outro vem de uma cultura radicalmente diferente.
Por sua vez, em Campo Geral, de Guimarães Rosa, o silêncio se reveste de lirismo e sensibilidade. O sertão é visto pelos olhos de Miguilim, um menino que observa o mundo com delicadeza e emoção. Aqui, o silêncio não é falta, mas forma de expressão subjetiva. Miguilim muitas vezes cala, não por não saber, mas por sentir demais. Sua experiência é marcada por percepções sutis, pela dor e pelo encantamento, que não encontram palavras exatas para serem ditas. O silêncio, nesse contexto, é poético: é a linguagem do que escapa à razão e se enraíza na alma infantil, que percebe mais do que compreende.
Dessa forma, o silêncio, nas três obras, ganha significados diferentes, mas igualmente poderosos. Em Vidas Secas, ele denuncia a exclusão e a opressão; em Nove Noites, ele oculta o mistério e evidencia os limites da razão; em Campo Geral, ele revela a sensibilidade e o mundo interior de uma criança. Assim, cada narrativa mostra que o sertão, mais do que um lugar de palavras ditas, é um território onde o não-dito tem peso, forma e profundidade. O silêncio, afinal, pode ser grito, segredo ou poesia — tudo depende de quem o escuta.
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