MAYOMBE(1980) - Pepetela (1941-Benguela)
( HISTÓRIA POLÍTICA DE ANGOLA, LITERATURA AFRICANA: GUERRILHA; EXÍLIO)
Autor:
Pepetela é o pseudônimo de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos.
Sociólogo angolano, leu muitos
pensadores da esquerda e influenciado por um padre
esquerdista chamado Noronha, que lhe informou sobre a revolução e outros
eventos contemporâneos.
O autor angolano é de ascendência
portuguesa, porém tornou-se militante
do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em 1963 e
lutou no movimento para a libertação da sua terra natal do poderio
colonialista dos portugueses.
Ganhador do Prêmio Camões com o
Livro Mayombe.
A sua obra é sobre a história contemporânea (política) de
Angola, e os problemas que a sociedade angolana enfrenta.
'Mayombe' foi escrito durante a participação de Pepetela na guerra de libertação de Angola, e retrata o cotidiano dos
guerrilheiros do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em luta
contra as tropas portuguesas. O romance
se propõe a abordar não somente as ações, mas os sentimentos e reflexões
daquele grupo, as contradições e conflitos que permeavam sua organização e as
relações estabelecidas entre pessoas que buscavam construir uma nova Angola
livre da colonização. " É um romance político, sendo o livro é
dividido em 5 capítulos e 1 epílogo.
Contexto Histórico da Obra:
Guerra de Independência de Angola ou Luta Armada de Libertação
Nacional foi um conflito armado entre as
forças independentistas de Angola
(UPA/FNLA, MPLA e UNITA) e as Forças Armadas de Portugal, que
até então dominavam a colônia angolana. A guerra teve início em 4 de
Fevereiro de 1961, durou mais de 13 anos e
terminou com um cessar-fogo em Junho (com a UNITA) e Outubro
(com a FNLA e o MPLA) de 1974. A independência de Angola foi
estabelecida a 15 de Janeiro de 1975, com a assinatura
do Acordo do Alvor entre os quatro intervenientes no conflito.
Pepetela, que foi militante na
guerra, publicou vários romances durante o período de luta, destes
romances Mayombe é o mais conhecido. O romance retrata a vida
guerrilheira do autor nos anos 70, e explora os pensamentos e as dúvidas
dos personagens, além de ilustrar as ações dos guerrilheiros. Pepetela transporta sua experiência para a literatura, algo realmente vivido por ele
Breve resumo|:
O Mayombe diz respeito a um
exílio comunitário (exílio como autoflagelação) e, ao mesmo tempo, Singular,
onde cada um vive o seu e também vive a do outro, tendo uma permuta de
experiências moradas e uma aquisição de conduta e caráter para a formação de
tais indivíduos. Mayombe gira em torno do personagem Sem Medo, o comandante
da Guerrilha, e é nele que se foca o real exílio geográfico e
principalmente o sentimental. Sendo algo que pode derrubar a vida de uma pessoa,
ele, Sem Medo, trabalha para contornar essa dificuldade. Mostra os combatentes, seus pensamentos e ações na luta.
Personagem Sem medo-líder guerrilheiro que comanda o seu pequeno
contingente em meio a dificuldades, como o racismo, o tribalismo, o oportunismo,
as ideologias que circulam neste meio. Exílio
para Sem medo : é uma situação de fuga do passado algo sentimental deixado
para trás. A fuga é uma ilusão criada por ele, pois está preso ao exílio. Grande parte de sua vida
é ocupada em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo para
governar.
Focos narrativos- vários
Há um narrador onisciente,mas
este se intercala com as vozes de cada personagem que narra em primeira pessoa os fatos que estão ocorrendo, seus
pontos de vista sobre as motivações da guerra e seus conflitos interiores. Ouvimos
as vozes e perspectivas de todos os que estão a fazer o movimento, e as
opiniões são por vezes divergentes o que reflete a heterogeneidade que compõe o
povo de Angola.
Espaço- Floresta do Mayombe, onde os
guerrilheiros tem uma base militar e planejam os ataques aos colonos
portugueses. A descrição da mata que representa um personagem com vida e
importância na obra. Exemplo:
"As árvores
enormes, das quais pendiam cipós grossos como cabos, dançavam em sombras com os
movimentos das chamas. Só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, por
entre as folhas e as lianas dispersando-se rapidamente do alto, como água
precipitada por cascata estreita que se espalha num lago."
Enredo- cronologia de fatos e emtemdemos o movimento guerrilheiro, suas
regras, seus pontos frágeis e qual o ideal que buscam seus combatentes.
Personagens-identificados por seus codinomes de combate, que trazem uma característica marcante de cada
um.
Ex.:Teoria – um homem
estudado que atua como professor para os homens do movimento.
Comandante, o líder chamado de Sem Medo.
Todos trazem consigo o ideal da revolução comunista, lutam para
reformular a terra em que estão, para que ela seja um país livre do domínio
estrangeiro e o povo possa comandar suas próprias riquezas. Porém percebe-se
o quão difícil é juntar e homogeneizar o movimento.
Cada personagem se apresenta na abertura dos capítulos, conta sua
história e mostra qual a sua ideologia, o motivo pelo qual luta no movimento
guerrilheiro. Os personagens são
como entidades sociológicas.
1-"Eu, o
narrador, sou Teoria
Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi
a cor escura do café, vinda da mãe
misturada ao branco defunto do meu pai,
comerciante português. Trago em mim o inconciliável e este é o meu motor.
Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é
não para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A
culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu
que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o
talvez? Face a este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em
dois grupos: os maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são os
outros, o Mundo é geralmente maniqueísta."
Mestiço vive em um mundo que não aceita as
diferenças, as misturas raciais, e Teoria
luta para mostrar que tem valor, que não quer ser definido pela cor de sua
pele pela sua aparência incerta. Esse motivo,
esse seu motor como diz, é diferentes dos motivos dos outros personagens, que
um a um vão nos contando suas razões.
"Teoria sentia que o Comandante também tinha
um segredo. Como cada um dos outros. E era esse segredo de cada um que os fazia
combater, frequentemente por razões longínquas das afirmadas. Porquê Sem Medo
abandonara o curso de Economia, em 1964, para entrar na guerrilha? Porquê o
Comissário abandonara Caxisto, o pai velho e pobre camponês arruinado pelo
roubo das terras de café?"
“Não somos [referindo-se aos membros do
MPLA]bandidos. Somos soldados que estamos a lutar para que as árvores que vocês
abatem sirvam o povo e não o estrangeiro. Estamos a lutar para que o petróleo
de Cabinda sirva para enriquecer o povo e não os americanos. Mas como nós
lutamos contra os colonialistas, e como os colonialistas sabem que, com a nossa
vitória, eles perderão as riquezas que roubam ao povo, então eles dizem que
somos bandidos, para que o povo tenha medo de nós e nos denuncie ao exército”.
Acontecimentos-
um ataque a um caminhão português,
como foi feito o planejamento e ação dos guerrilheiros. Algo bem
cinematográfico, no sentido de que é fácil de imaginar como os fatos estão
ocorrendo, as batalhas, os reféns que durante o período preso com os
guerrilheiros são bem tratados e ensinados sobre os ideais da luta.
-prisão de um combatente que
trai o movimento no momento que rouba dinheiro de um dos reféns e como é seu
julgamento; há a questão do avanço dos combatentes para um novo combate com
portugueses;
-a traição de Ondina com um
dos chefes do movimento que ficava na cidade e a desmoralização que se segue
desse líder, o qual tem que sair do posto de governo e segue-se uma sequencia
de alterações nos postos do comando.
A fala individual de cada personagem- os conflitos do Tribalismo que
as vezes fala mais alto do que o ideal de lutar pela libertação da Angola. Isso
é nem criticado pelo Comandante Sem Medo, que por vezes fala que eles não devem
se enxergar como Kigongo ou Umbundo, mas como um povo Angolano que luta pela
sua paz e união. Outro personagem expressa esse ideal anti-tribalista de uma
bela maneira: Trecho sobre Tribalismo na Angola
O papel feminino nesse contexto de guerra, como a mulher repensa
sua realidade e assume postos diferenciados, a mulher que é retratada é livre,
desmistifica a imagem idealizada comumente associada ao feminino. Ondina e Leli são as duas mulheres que
demonstram essa quebra de tabus no livro, elas afrontam o homem ao mostrar seus
desejos e agir em função de seus ideiais e convicções. A seguir vou reproduzir
um trecho de uma análise (retirada do site http://revista.benfazeja.com.br/):
" Em Mayombe, a mulher transita pelo mundo da
política, da guerra e do golpe, enfim, o mundo masculino por excelência.
Ondina, por conseguinte, tem plena consciência de que também deve fazer parte
do embrionário processo revolucionário histórico, social e estético por que
passa Angola. Essa adesão, porém, mostra-se mais complexa do que inicialmente
poderia sugerir-se. Para essa mulher, aderir a um movimento revolucionário
significa uma transformação que não se dará apenas na esfera superficial da sua
existência como indivíduo: implicará em questões mais profundas e arraigadas no
conjunto da sociedade; significa repensar e contestar o papel social reservado
à mulher até então. Por tocar temas tabus nunca antes sequer discutidos pela
sociedade, essa mudança manifestar-se-á de maneira mais radical e subversiva e,
por isso, não encontrará respaldo no mundo masculino de seus iguais. "
Personagens = heróis do Movimento Guerrilheiro nos são
apresentados como pessoas comuns, eles tem falhas, são pessoas como as outras,
mas que fazem a luta seguir mesmo assim. Essa postura anti-idealizadora dos
personagens foi motivo de polêmica pela crítica local, mas que o autor rebateu
dizendo que essa era a intenção mesmo, mostrar as pessoas que compunham aquele
combate.
Educação como arma política foi algo que me atraiu bastante na leitura, em alguns
momentos certos guerrilheiros criticam os intelectuais que teoricamente não
saberiam o que a guerra significaria de verdade, o que o sofrimento seria de
verdade. Porém podemos ver no livro o quanto os líderes do movimento, seguindo
um pouco um ideal revolucionário comunista, dizem que os guerrilheiros devem
receber educação porque é através que não serão dominados, que conseguirão ser
alguém na sociedade quando a guerra acabar. A seguir o trecho mostra uma fala
do Comandante Sem Medo:
" As pessoas devem estudar, pois é a única
maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com a cabeça dos
outros. O homem tem de saber muito, sempre mais e mais, para poder conquistar a
sua liberdade, para saber julgar. Se não percebes as palavras que eu pronuncio,
como podes saber se estou a falar bem ou não? Terás de perguntar a outro.
Dependes sempre de outro, não és livre. Por isso, toda a gente deve estudar.
Mas aqui o camarada Mundo Novo é um ingénuo, pois que acredita que há quem
estuda só para o bem do povo. É essa cegueira, esse idealismo, que faz cometer
os maiores erros. Nada é desinteressado."
Um dos trechos mais poéticos do
livro, quando fala-se do Mar :“A
imensidão do mar que nada pode modificar ensinou-me a paciência. O mar une, o
mar estreita, o mar liga. Nós também temos o nosso mar interior, que não é o
Kuanza, nem o Loje, nem o Kunene. O nosso mar, feito de gotas-diamante, suores
e lágrimas esmagados, o nosso mar é o brilho da arma bem oleada que faísca no
meio da verdura do Mayombe, lançando fulgurações de diamante ao sol da Lunda”.
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