Nome___________________________________________________________nº
_________ 8ª SÉRIE
Prova de Português- data________________________
MISSA DO GALO Machado de Assis
Nunca pude
entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu
dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho
irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à
meia-noite.
A casa em
que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em
primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a
mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro,
meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada
da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A
família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes
velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a
casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao
Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a
sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia,
vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o
teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora,
separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição
padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se,
acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
Boa
Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão
facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um
temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos.
No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as
aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e
passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos
uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar;
pode ser até que não soubesse amar.
Naquela
noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já
devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a
missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu
meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da
entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com
o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Sr.
Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
- Leio, D.
Inácia.
Tinha
comigo um romance, os Três Mosqueteiros,
velha tradução creio do Jornal do
Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um
candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo
magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente
ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando
são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso.
Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram
uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a
cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não
foi? Perguntou ela.
- Não fui;
parece que ainda não é meia-noite.
- Que
paciência!
Conceição
entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco,
mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não
disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na
cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se
a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
- Não!
qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um
pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de
dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que
valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que
talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir
ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.
- Mas a
hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que
paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar
sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse
quando me viu.
- Quando
ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.
- Que é que
estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
-
Justamente: é muito bonito.
- Gosta de
romances?
- Gosto.
- Já leu a Moreninha?
- Do Dr.
Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto
muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você
tem lido?
Comecei a
dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no
espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar
de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los.
Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em
seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o
queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os
grandes olhos espertos.
- Talvez
esteja aborrecida, pensei eu.
E logo
alto:
- D.
Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
- Não,
não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você,
perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho
feito isso.
- Eu, não;
perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja,
hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que
velha o quê, D. Conceição?
Tal foi o
calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e
as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o
outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do
gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma
impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem
lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela
noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a
posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de
permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver
esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa
do galo na Corte, e não queria perdê-la.
- É a mesma
missa da roça; todas as missas se parecem.
- Acredito;
mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na
Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a
pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o
rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram
naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do
que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse
comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram
tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A
presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o
que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo
à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou
tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que
luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas
escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar
interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
- Mais
baixo! Mamãe pode acordar.
E não saía
daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras.
Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois,
eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria,
com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar.
Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude
ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se,
o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição
disse baixinho:
- Mamãe
está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo
não pegava no sono.
- Eu também
sou assim.
- O quê?
Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
Fui
sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da
coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há
ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na
cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que
lhe aconteceu hoje.
- Não, não,
atalhou ela.
Não entendi
a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto
e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de
cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só
tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se
assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando
eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou
outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando,
reprimia-me:
- Mais
baixo, mais baixo...
Havia
também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os
olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se
ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim
embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se
apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem
truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho
frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda,
ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis
levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar
sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio
de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo.
Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de
duas gravuras que pendiam da parede.
- Estes
quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho
era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um
representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram
mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
- São
bonitos, disse eu.
- Bonitos
são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas
santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
- De
barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
- Mas
imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e
naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa
de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa
assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa
Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se
pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
A idéia do
oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso
que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com
doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia
esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em
seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de
Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado,
falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe
diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu
sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora
não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não
tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
-
Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei,
para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer
que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a
conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um
sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando
não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo.
Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a
ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O
rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou
daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição
parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de
fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"
- Aí está
o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir
acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
- Já serão
horas? perguntei.
-
Naturalmente.
- Missa do
galo! repetiram de fora, batendo.
-Vá, vá,
não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.
E com o
mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando
mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja.
Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e
o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao
almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a
curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna,
sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para
Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha
morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a
encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.
Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis -
Coleção Pretígio - Ediouro - s/d.
Missa do Galo: Uma Análise Geral do Conto de Machado de Assis
Missa do Galo é um conto de Machado de Assis que, apesar de sua brevidade, revela a maestria do autor em desvendar a complexidade da alma humana e as nuances das relações interpessoais. A narrativa, ambientada em uma noite de Natal, gira em torno de um diálogo aparentemente banal entre dois personagens: Nogueira, um jovem pensionista, e Conceição, uma mulher casada.
A Trama Sutil
A trama, embora simples, é rica em subtextos e ironias. A conversa entre Nogueira e Conceição, ocorrida na véspera de Natal, revela um jogo de sedução sutil e uma tensão sexual latente. A mulher, casada com um homem que a traía, encontra naquela noite uma oportunidade de escapar da rotina e da hipocrisia da sociedade.
Temas Centrais
- Hipocrisia e Moralidade: O conto explora a hipocrisia da sociedade burguesa, onde as aparências são mais importantes que a verdade. A personagem de Conceição, por exemplo, representa a mulher reprimida pela sociedade, que busca um escape para seus desejos.
- Sedução e Desejo: A atração entre Nogueira e Conceição é um dos elementos centrais do conto. A conversa entre os dois revela um jogo de sedução sutil, onde cada palavra e gesto tem um significado duplo.
- Tempo e Memória: A narrativa é marcada pela dualidade entre passado e presente. Nogueira, como narrador, relembra um acontecimento de sua juventude, revelando como a memória pode ser seletiva e como os acontecimentos podem adquirir novos significados com o passar do tempo.
A Linguagem e o Estilo de Machado de Assis
A linguagem de Machado de Assis é elegante e precisa, revelando um profundo conhecimento da psicologia humana. O autor utiliza a ironia e a ambiguidade para criar um clima de suspense e intriga. A descrição dos personagens é sutil e psicológica, permitindo ao leitor construir uma imagem completa de cada um deles.
A Importância da Obra
" Missa do Galo" é um conto que transcende o tempo e continua a fascinar os leitores. A obra aborda temas universais como o amor, o desejo, a hipocrisia e a complexidade das relações humanas. A maestria de Machado de Assis em construir personagens complexos e em criar narrativas ambíguas faz deste conto uma obra-prima da literatura brasileira.
A Mulher na Obra de Machado de Assis: O Caso de Conceição
Ao analisar a personagem de Conceição em "A Missa do Galo", é fundamental situá-la no contexto da representação feminina na literatura brasileira do século XIX. As mulheres, frequentemente, eram retratadas como seres passivos, submissos e limitados aos papéis de esposa e mãe. Conceição, no entanto, desafia essa representação estereotipada.
- Mulher e desejo: Conceição não é apenas um objeto de desejo, mas um sujeito ativo que busca satisfazer seus próprios desejos. Sua conversa com Nogueira revela uma mulher consciente de sua sexualidade e que busca transcender os limites impostos pela sociedade.
- Hipocrisia social: A personagem de Conceição expõe a hipocrisia da sociedade burguesa, que exigia das mulheres uma conduta moral impecável, enquanto os homens tinham mais liberdade para agir. Conceição, ao se envolver em uma conversa íntima com outro homem na véspera de Natal, desafia essa moral vigente.
- Complexidade psicológica: Machado de Assis retrata Conceição como uma mulher complexa, com desejos conflitantes e uma vida interior rica. A personagem não é apenas uma vítima das circunstâncias, mas uma mulher que toma suas próprias decisões, mesmo que arriscadas.
O Papel da Religião: Uma Crítica à Hipocrisia
A referência à Missa do Galo, um evento religioso de grande importância, não é casual. Machado de Assis utiliza esse elemento para:
- Criticar a hipocrisia religiosa: A celebração religiosa serve como pano de fundo para a conversa entre Nogueira e Conceição, revelando a distância entre a fé professada e as ações das pessoas.
- Destacar a dualidade humana: A personagem de Conceição, que participa da missa, também se envolve em uma conversa marcada pela sensualidade e pelo desejo. Essa dualidade revela a complexidade da natureza humana e a dificuldade de conciliar os impulsos religiosos com os desejos carnais.
- Ironizar a moralidade burguesa: A missa, como um ritual religioso, representa a moralidade burguesa, que condena o adultério e a imoralidade. No entanto, a conversa entre os personagens revela que essa moralidade é frequentemente violada na prática.
A Influência do Realismo: Psicologia e Análise Social
"A Missa do Galo" é um exemplo clássico do Realismo literário, movimento que se caracterizava pela valorização da observação da realidade, da análise psicológica das personagens e da crítica social.
- Psicologia das personagens: Machado de Assis aprofunda a análise psicológica de seus personagens, revelando seus medos, desejos e contradições. A conversa entre Nogueira e Conceição é um momento de autoconhecimento para ambos, revelando suas verdadeiras naturezas.
- Crítica social: O conto faz uma crítica sutil à sociedade burguesa, revelando seus valores, hipocrisias e contradições. A personagem de Conceição é um símbolo da mulher oprimida por uma sociedade que a limita e a controla.
- Linguagem realista: A linguagem utilizada por Machado de Assis é simples e direta, evitando floreios e descrições excessivas. O autor busca a objetividade na descrição da realidade, sem idealizações.
Conclusão
"A Missa do Galo" é um conto que transcende o tempo e continua relevante para a compreensão da sociedade brasileira. A obra de Machado de Assis, ao explorar temas como a condição feminina, a hipocrisia social e a complexidade da natureza humana, contribui para a construção de uma literatura brasileira rica e diversa.
A análise de "Missa do Galo", conto de Machado de Assis, oferece uma rica oportunidade de examinar os aspectos literários e psicológicos que o autor abordou, além das críticas sociais sutis presentes na narrativa. Publicado em 1900, este conto está inserido no período de maturidade do escritor, quando ele havia consolidado seu estilo realista e, ao mesmo tempo, introduzido elementos mais reflexivos e simbólicos em suas obras. A seguir, apresento uma análise completa do conto, incluindo seus temas, personagens, estilo e interpretação.
Contexto e Estrutura do Conto
"Missa do Galo" narra a história de um menino que, ao voltar de uma missa de Natal com seu pai, vivencia um episódio de grande importância emocional, mas também de uma profunda reflexão sobre o tempo, a infância e a natureza da memória.
O conto é escrito de forma introspectiva, com um tom melancólico e uma estrutura narrativa que mistura a primeira pessoa com a terceira pessoa, o que cria uma sensação de distanciamento temporal e psicológico. O narrador, que é o próprio menino que revê o passado, se encontra, na sua forma adulta, a analisar as ações e sentimentos que vivenciou. Esse recurso confere à história um caráter de memória e reflexão, típico das obras de Machado de Assis.
Análise dos Personagens
O narrador (menino): O protagonista do conto é um menino que, apesar de ser muito jovem, tem uma visão bastante madura sobre a vida. A história se passa na noite de Natal, após a missa de galo, um evento tradicional no Brasil, onde o garoto vivencia uma experiência sensível e de certa forma transformadora. Através de sua percepção, o conto revela o mundo infantil sob o olhar de um adulto que, com a distância temporal, consegue refletir sobre os pequenos detalhes e a complexidade das emoções daquele momento.
O pai: O pai do menino, presente na narrativa de forma secundária, representa uma figura autoritária, mas ao mesmo tempo afetiva. Sua principal função no conto é criar uma espécie de contraste entre o mundo inocente e a realidade mais dura da vida adulta. Ele observa o filho, mas a distância entre os dois vai se alargando conforme a narrativa avança.
Temas Principais
A infância e o processo de amadurecimento: O tema da infância é central em "Missa do Galo". A história não apenas narra a experiência do Natal, mas também aborda a transição da criança para o adulto. O conto está impregnado de um sentimento nostálgico, especialmente quando o narrador, já adulto, reflete sobre a simplicidade e a pureza daquelas memórias. A referência ao Natal e à missa de galo simboliza um rito de passagem, uma celebração que, embora religiosa, evoca a relação do menino com a tradição e com a própria compreensão da vida.
A percepção do tempo: O tempo é um elemento crucial no conto, já que a narrativa é construída sobre uma análise das lembranças do protagonista. O uso da memória, e a tentativa do narrador em reconstruir o que aconteceu, faz com que o tempo se distorça. A percepção que o menino tem da sua vivência é contrastada com a visão do adulto, que agora reflete sobre as experiências passadas. O conto aborda o passado e o presente, mostrando como as lembranças da infância se misturam com a visão madura, mais cética e distante da realidade.
A crítica à vida adulta: Como é típico em muitas obras de Machado de Assis, há uma crítica velada à sociedade adulta e às suas contradições. O pai, que representa a figura adulta, é mostrado com uma leve indiferença para com os sentimentos mais profundos do filho. O menino, ao longo da história, começa a perceber que as pessoas adultas possuem um entendimento diferente do mundo, mais pragmático, mas também mais afastado da pureza da infância.
A religiosidade e o simbolismo do Natal: O Natal e a missa de galo têm um significado simbólico importante no conto. Ao mesmo tempo em que o evento é retratado como uma celebração religiosa, ele carrega em si uma reflexão sobre a espiritualidade e a transitoriedade da vida. A missa, enquanto rito, não é apenas uma representação da tradição cristã, mas também serve para estabelecer uma conexão emocional e simbólica com o passado, com as coisas simples e belas da infância.
Estilo e Linguagem
A linguagem de Machado de Assis em "Missa do Galo" é marcada pela simplicidade aparente. Embora a narrativa pareça fácil e direta, ela está repleta de camadas de significado, como é característico do estilo realista e psicológico de Machado. O autor faz uso de um estilo irônico e, ao mesmo tempo, afetivo, que transmite uma complexidade emocional por meio da observação dos detalhes mais insignificantes.
Machado também utiliza recursos como o fluxo de consciência, onde os pensamentos e sentimentos do narrador se sobrepõem, criando um retrato psicológico sutil. A escolha de descrever a missa de galo e a jornada de volta para casa como um evento simples, quase rotineiro, é uma forma de explorar a complexidade dos sentimentos humanos.
Interpretação Final
"Missa do Galo" pode ser interpretado como uma reflexão profunda sobre o passado e o presente, a inocência da infância e a dúvida que o adulto carrega sobre suas próprias memórias. Através da vivência do menino, Machado de Assis constrói uma crítica sutil às distâncias entre as gerações e a perda da pureza e da imediata percepção que caracterizam a infância. A missa de galo, além de ser um evento religioso, também se torna um símbolo de transição, de rito de passagem, que marca o fim da infância e o início da fase adulta, onde o mundo se torna mais complexo, mas também mais desiludido.
Além disso, a ironia machadiana está presente no conto, já que o autor se utiliza da experiência aparentemente banal de uma missa de Natal para abordar questões existenciais e filosóficas. A maneira como a história é contada – através do olhar do menino, mas com a reflexão do adulto – nos oferece uma das mais belas representações do autor sobre o tempo, a memória e a complexidade da vida humana.
Conclusão: "Missa do Galo" é um conto que, à primeira vista, pode parecer simples, mas esconde, sob a sua narrativa contida, uma complexa análise psicológica e uma crítica social sutil. Através de sua habilidade narrativa, Machado de Assis nos leva a questionar a nossa própria visão sobre a infância, o tempo e as relações humanas.
VII- Assinale a alternativa correta:
- A seu ver, Nogueira:
( ) deixou-se envolver por Conceição e consentiu nesse envolvimento.
( X ) não percebeu nada: para ele aquela conversa foi só uma entre tantas que normalmente mantinha com a dona da casa onde se hospedara para poder estudar no Rio de Janeiro.
- O narrador capta as diversas reações dele próprio como personagem numa sequência:
( X ) crescente no envolvimento e na tensão entre os dois.
( ) uniforme, sem altos e baixos, tranquila como se apenas dois amigos estivessem conversando para ocupar o tempo até que um terceiro amigo comum aparecesse para levá-lo à missa do galo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário