O Trovadorismo O Trovadorismo, movimento literário medieval, floresceu em Portugal entre os séculos XII e XIV, coincidindo com a formação do reino independente. Este período iniciou-se por volta de 1189, com a composição da "Cantiga da Ribeirinha", de Paio Soares de Taveirós, considerada a cantiga mais antiga conservada nos cancioneiros. Contexto Histórico: - 1095: O rei Afonso VI de Leão e Castela concede o condado Portucalense a seu genro Henrique de Borgonha.
- 1109-1385: Dinastia de Borgonha em Portugal, período de declínio do feudalismo.
- 1139: D. Afonso Henriques declara a independência de Castela após vencer os mouros em batalha.
- 1143: Reconhecimento da independência de Castela pelo Tratado de Zamora.
- 1385: Fim da Revolução de Avis; D. João I é aclamado rei de Portugal, iniciando a dinastia de Avis.
1095: Afonso VI concede o Condado Portucalense a Henrique de BorgonhaEm 1095, o rei Afonso VI de Leão e Castela concedeu ao nobre Henrique de Borgonha o Condado Portucalense, uma porção de terras na região noroeste da Península Ibérica, com o objetivo de fortalecer sua administração e reforçar a defesa das fronteiras contra os mouros. Henrique de Borgonha, casado com Teresa de Leão, filha de Afonso VI e governadora de uma região de fronteira, recebeu essas terras com o título de conde, estabelecendo as bases para o que viria a se tornar o Reino de Portugal. Esse momento é fundamental porque marca o início do Condado Portucalense e a presença da família borgonhesa, que terá grande importância no desenvolvimento do reino, levando à fundação de Portugal, sob a liderança de Afonso Henriques (o primeiro rei de Portugal), neto de Henrique de Borgonha. 2. 1109-1385: Dinastia de Borgonha em PortugalDurante este período, Portugal foi governado pela Dinastia de Borgonha, iniciada com Henrique de Borgonha e continuada pelos seus descendentes. O governo dessa dinastia foi marcado pela luta pela independência do Reino de Portugal em relação a Leão e Castela, além de processos de consolidação territorial através da Reconquista Cristã. A dinastia de Borgonha foi importante, mas também enfrentou muitos desafios, incluindo conflitos internos e a pressão externa de outros reinos ibéricos. Ao longo dos séculos, o Condado Portucalense foi se expandindo e ganhando autonomia, até que em 1139, o então Conde de Portugal, Afonso Henriques, proclamou-se rei, dando início ao Reino de Portugal, que logo buscaria a independência plena de Castela. 3. 1139: Afonso Henriques declara a independência de PortugalAfonso Henriques, após uma série de vitórias militares contra os mouros e forças castelhanas, declarou-se rei de Portugal em 1139, no contexto da Reconquista Cristã e das disputas dinásticas. Ele se auto-proclamou Afonso I de Portugal, e sua vitória decisiva foi na Batalha de Ourique em 1139, onde conseguiu derrotar os mouros, o que foi visto como uma confirmação divina de sua autoridade para governar. Esse momento foi importante porque representou a independência de Portugal em relação a Leão e Castela, os dois reinos mais poderosos da Península Ibérica na época. O reino de Portugal, até então um condado vassalo de Leão, passa a ser uma entidade independente, com Afonso Henriques como seu primeiro rei. 4. 1143: Reconhecimento da independência de Portugal pelo Tratado de ZamoraEm 1143, Portugal foi formalmente reconhecido como um reino independente pelo Tratado de Zamora, assinado entre Afonso Henriques e Alfonso VII de Leão e Castela. Afonso Henriques, com o Tratado de Zamora, conseguiu que sua independência fosse reconhecida, embora ainda houvesse disputas sobre territórios na fronteira com Castela. O tratado também consolidou a legitimidade de Afonso I como rei e reconheceu a soberania de Portugal, mas sem garantir a total estabilidade, pois a rivalidade com Castela ainda se manteve. 5. 1385: Fim da Revolução de Avis; D. João I é aclamado rei de PortugalEm 1385, o reino de Portugal passou por uma crise dinástica significativa. D. Fernando I, rei de Portugal, morreu sem deixar um herdeiro masculino direto, o que gerou uma disputa pela sucessão entre duas facções. João, Mestre de Avis, membro da nobreza portuguesa, foi proclamado rei em 1385, após uma vitória decisiva na Batalha de Aljubarrota contra as forças castelhanas, lideradas por João I de Castela. Este evento ficou conhecido como a Revolução de Avis, porque foi um movimento liderado pela Casa de Avis, que conseguiu afastar a ameaça dinástica de Castela e estabelecer uma nova linhagem real em Portugal, a dinastia de Avis, que governaria o país pelos próximos séculos. D. João I de Portugal (da Casa de Avis) consolidou sua posição como rei após a vitória na Batalha de Aljubarrota, garantindo a independência de Portugal e dando início a uma nova era de prosperidade, com a expansão comercial e a exploração ultramarina que se seguiria nos séculos XV e XVI. Esse período é fundamental para entender como Portugal se estabeleceu como um reino independente e consolidou sua posição no contexto da Península Ibérica.Características Principais: O Trovadorismo reflete um período de mudanças políticas e culturais. As características desse movimento incluem: - Amor Cortês: Idealização do amor, frequentemente representado como uma adoração à mulher, distante e inalcançável.
- Poesia Lírica: Composições sentimentais que expressam emoções pessoais, muitas vezes acompanhadas de música.
- Influência Religiosa: A Igreja Católica e o teocentrismo tiveram forte influência nas produções literárias.
- Métrica e Forma: O uso de formas poéticas fixas, como "canso" (canção), "sirventes" (satírico-política), e "alba" (poema de despedida).
Tipos de Cantigas:- Cantigas de Amor: Expressam o sofrimento do eu lírico, geralmente com temática de amor idealizado.
- Cantigas de Amigo: Voz feminina que expressa sentimentos de saudade e espera.
- Cantigas de Escárnio: Críticas indiretas e irônicas.
- Cantigas de Maldizer: Ofensas diretas e explícitas.
O Trovadorismo em Portugal:O movimento floresceu nas cortes e era um reflexo da formação do reino e da consolidação do Estado português. A poesia trovadoresca se caracterizou pelo vínculo com as cortes medievais e com temas como a devoção religiosa, o amor cortês e a crítica social. Principais Trovadores Portugueses:- D. Dinis (Rei Trovador): Incentivador da poesia trovadoresca em Portugal e autor de várias canções.
- Paio Soares de Taveirós: Um dos mais conhecidos trovadores portugueses, com suas poesias de amor.
- Fernão Lopes de Castanheda: Outro trovador significativo na época.
Declínio do Trovadorismo:O Trovadorismo começou a declinar no final do século XIV, devido à ascensão do Humanismo e da Renascença, que trouxeram novas formas literárias mais focadas na razão e na realidade, afastando-se dos ideais religiosos e idealizados do período medieval. Aspectos históricos e literários do Trovadorismo, no contexto da Dinastia de Borgonha (1109-1385) e da Península Ibérica: 1. Contexto Histórico da Península IbéricaFeudalismo em declínio: O feudalismo, embora em declínio, ainda influencia a literatura da época, especialmente a poesia amorosa. Esse reflexo é visto na forma e nos temas das obras, com uma linguagem e estrutura que refletem a hierarquia social e as relações de vassalagem. Cortes dos reis e senhores feudais: As cortes (como as dos reis e grandes senhores feudais) eram os centros de produção cultural e literária. Ali, artistas, poetas e trovadores se reuniam para criar e compartilhar suas obras. A cultura cortesã torna-se a principal forma de expressão literária da época. Reconquista e Cruzadas: A luta para recuperar os territórios ibéricos dos árabes, conhecida como Reconquista, fez com que se prolongasse na nobreza ibérica o espírito guerreiro e aventureiro, influenciado pelas Cruzadas. Esse espírito é refletido em obras literárias da época, como as novelas de cavalaria, que exaltam feitos heroicos, cavaleiros e suas aventuras.
2. Trovadorismo e sua Produção LiteráriaPoesia amorosa e cortesã: O Trovadorismo é caracterizado principalmente pela poesia amorosa e cortesã, que frequentemente expressa o amor idealizado, a busca pelo cavaleiro perfeito e o culto à dama. Essa poesia era produzida nas cortes e, muitas vezes, refletia a estrutura feudal e as relações entre vassalos e senhores. Influência do feudalismo na poesia amorosa: A estrutura feudal aparece na linguagem da poesia amorosa, com o poeta muitas vezes se colocando como vassalo da dama, em uma relação de subordinação e serviço. O amor é tratado como uma forma de dever e obrigação, assim como as relações feudo-vassálicas. Influência das Cruzadas: O espírito das Cruzadas, com sua mistura de fé religiosa e busca por honra e poder, reflete-se nas novelas de cavalaria e outras formas literárias do período. Estas histórias de cavaleiros heróicos que partem para a guerra e enfrentam desafios, muitas vezes com uma visão idealizada da batalha e da honra, são populares entre a nobreza da época.
3. Espírito Religioso Medieval e TeocentrismoTeocentrismo: O teocentrismo (centrado em Deus) predomina na mentalidade medieval. A visão de mundo medieval coloca Deus no centro de todas as coisas, e isso se reflete em diversas manifestações culturais, incluindo a literatura. Literatura religiosa: A poesia religiosa, como as Cantigas de Santa Maria de D. Afonso X, é uma importante expressão literária da época. Estas cantigas eram dedicadas à Virgem Maria e refletiam a devoção religiosa característica do período medieval. Hagiografias: As hagiografias, que são as biografias de santos, também fazem parte da produção literária da época. Elas ajudam a divulgar os exemplos de virtude e fé cristã, funcionando como uma forma de moralização e inspiração religiosa para os fiéis. Obras de devoção: Além das cantigas e hagiografias, outras obras de devoção cristã, como orações e textos litúrgicos, também formam uma parte significativa da literatura religiosa da época.
4. Conclusão- O Trovadorismo é marcado por uma forte conexão com os aspectos históricos e culturais da Península Ibérica durante o período da Dinastia de Borgonha. O declínio do feudalismo, as Cruzadas, a Reconquista e o teocentrismo definem o contexto da produção literária da época, influenciando a linguagem, os temas e as formas das obras, que abrangem desde a poesia cortesã e amorosa até a literatura religiosa e das Cruzadas.
Cantiga
da Ribeirinha
No
mundo nom me sei parelha
mentre
me for como me vai,
ca
ja moiro por vós e ai!
mia
senhor branca e vermelha,
queredes
que vos retraia
quando
vos eu vi em saia.
Mao
dia me levantei
que
vos entom nom vi fea!
E, mia senhor, des aquelha
me
foi a mi mui mal di’ai!
E
vós, filha de Dom Paai
Moniz,
e bem vos semelha
d’aver
eu por vós guarvaia,
pois
eu, mia senhor, d’alfaia
nunca
de vós ouve nem ei
valia
d’ua correa.
Explicações
non me sei parelha:
não conheço ninguém igual a mim.
mentre:
enquanto.ca: pois.
branca e vermelha:
a cor branca da pele, contrastando com o rosado do rosto.
retraia:
pinte, retrate, descreva.
en saia:
sem manto.
que:
pois
dês:
desde
semelha:
parece
d’aver eu por vós:
receber por seu intermédio.
guarvaia:
manto luxuoso, provavelmente vermelho, usado pela nobreza.
alfaia:
presente
valia d’un correa:
objeto de pequeno valor.
Considerada por alguns como a mais antiga
galego-portuguesa, este texto desafia a interpretação dos esudiosos. Seu
sentido continua bastante obscuro. Não se pode concluir nem mesmo se trata de
uma cantiga de amor ou de escárnio. 1. Estrutura e Contexto Histórico: Datação: A Cantiga da Ribeirinha é considerada uma das mais antigas composições em galego-português, possivelmente datada entre 1189 e 1198. Sua autoria é atribuída a Pai Soares de Taveirós, um trovador medieval que faz parte da tradição da poesia lírica medieval galego-portuguesa. Gênero Literário: A cantiga pertence ao gênero das cantigas de amor, mas sua interpretação é complexa, pois apresenta elementos que podem sugerir também uma crítica, o que a aproxima de uma cantiga de escárnio. O trovadorismo, movimento literário contemporâneo à dinastia de Borgonha (1109-1385), reflete as relações de poder, amor e classe na sociedade medieval.
2. Características e Temática:- A Linguagem e o Tom:
- A linguagem da cantiga mistura formalidade e expressões emocionais intensas, características da poesia de corte medieval, e a mistura de sentimentos de adoração com críticas diretas.
- O tom da cantiga oscila entre o louvor à dama e uma reclamação sobre a falta de reciprocidade ou reconhecimento por parte dela. Isso confunde a classificação tradicional de cantiga de amor, sugerindo que o trovador se utiliza de uma ironia ou de uma crítica velada, o que remete à tradição de escárnio.
- Temas Centrais:
- Amor Cortês: O trovador expressa sua paixão por uma dama de status elevado, que ele descreve como de beleza imaculada, simbolizando o amor cortês medieval, onde o amor é idealizado e visto como algo nobre.
- Reclamação de Atenção e Reconhecimento: A queixa do trovador sobre a falta de valorização da sua afeição e da dama não lhe oferecer algo de valor em troca (menciona o "guarvaia" e "alfaia" como símbolos de nobreza e presentes de valor), aponta para a inegualdade social e o desespero do amante em ser reconhecido em sua posição inferior.
- Dúvida e Contradição: A ambiguidade entre o amor e a crítica faz com que o poema se distinga de uma típica cantiga de amor. Essa contradição está presente no fato de o trovador simultaneamente idealizar a dama e criticar seu comportamento.
3. Análise Linha por Linha:Verso 1:"No mundo nom me sei parelha": O sujeito poético declara que não conhece ninguém "igual a ele", ou seja, não encontra ninguém que compartilhe do mesmo tipo de sofrimento ou paixão. Isso pode representar a ideia de que seu amor é único, exclusivo, mas também solitário e desesperador. "mentre me for como me vai, ca ja moiro por vós e ai!": Ele diz que, enquanto viver, seu estado será de total submissão ao amor por ela, um amor que o consome. O verbo "morrendo" reflete um amor absoluto e o sofrimento que o acompanha.
Verso 2:- "mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraia quando vos eu vi em saia.": Descrição da dama com um contraste de cores — a pele branca e o rosto corado, que simbolizam sua beleza inalcancável e pura. O pedido para "retratar" pode ser uma metáfora para imortalizar a beleza ou a virtude da dama, mas também pode ser uma tentativa de controle sobre a imagem dela.
Verso 3:- "Mao dia me levantei que vos entom nom vi fea!": Ele se queixa de um dia em que se levantou e não viu a dama feia, talvez implicando que sempre a encontra perfeita. Isso pode sugerir uma visão idealizada e exagerada do amor cortês, onde a dama é sempre perfeita e intocável, uma figura intocável.
Verso 4:- "E, mia senhor, des aquelha me foi a mi mui mal di’ai!": O sujeito, em um tom de queixa, afirma que a dama lhe fez algo de ruim. Pode se referir a uma ação que ela tomou (ou não tomou) que o feriu, mostrando uma falha no ideal de amor perfeito ou o comportamento inconsistente da dama.
Verso 5:- "E vós, filha de Dom Paai Moniz, e bem vos semelha d’aver eu por vós guarvaia,": O trovador se dirige diretamente à dama e menciona seu pai, possivelmente um senhor nobre (Dom Paai Moniz), e sugere que ela deveria ser generosa com ele, já que ele demonstra dedicação a ela. O "guarvaia", um manto luxuoso, reflete o status elevado dela e o desejo do trovador de ser reconhecido e tratado com a mesma grandeza.
Verso 6:- "pois eu, mia senhor, d’alfaia nunca de vós ouve nem ei valia d’ua correa.": O trovador lamenta não ter recebido de sua amada nenhum presente significativo. O "alfaia" (um presente valioso) e a "correa" (um simples cordão) ilustram essa disparidade de tratamento, e a queixa da falta de valorização e reconhecimento de seus sentimentos é evidente.
4. Possíveis Interpretações:Cantiga de Amor Tradicional?: Inicialmente, o poema pode ser visto como uma típica cantiga de amor, onde o trovador expressa sua adoração à dama. No entanto, a constante queixa e crítica à dama, em especial em relação ao seu tratamento e ao valor de seus presentes, leva a um tom de escárnio (zombaria), o que sugere que o poema pode ser uma crítica velada à dama e à sociedade nobre da época. Ambiguidade na Relação de Classe e Amor: A tensão entre o amor idealizado e a queixa sobre a falta de reciprocidade social e material, com o contraste entre os bens preciosos (guarvaia, alfaia) e os pequenos presentes (correa), reflete um comentário sobre a inequidade e as relações de poder entre as classes sociais, que também se refletem no amor cortês. O trovador não apenas ama a dama, mas também deseja algo mais do que sua afeição — um reconhecimento social.
5. Conclusão:A Cantiga da Ribeirinha é uma das primeiras expressões literárias do Trovadorismo, cheia de ambiguidade e complexidade. O poema reflete as características do amor cortês, mas também transmite uma crítica velada à sociedade medieval, às diferenças de classe e à insuficiência das relações de poder e reconhecimento. A mistura de amor e crítica em uma mesma composição revela a sofisticação da literatura trovadoresca, que desafiava as convenções da época e abordava temas universais como a adoração, a frustração e a desigualdade.
A poesia no período trovadoresco - Poesia Cantada: Ao ler um texto poético desse período, não podemos ter em mente a tradição moderna e o que hoje entendemos por poesia. A poesia não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Era poesia cantada (daí o nome de cantiga, que passaremos a usar de agora em diante), geralmente acompanhada por um coro e por instrumentos musicais. Seu público não era, portanto, constituído de leitores, mas de ouvintes.
- Poesia e Música: Assim, devemos sempre considerar as cantigas como poesia intimamente ligada à música, própria para apresentações coletivas.
- Poesia Trovadoresca: Chamamos de poesia trovadoresca à produção poética, em galego-português, do final do século XII ao século XIV. Seu apogeu ocorre no reinado de Afonso III, pelos meados do século XIII.
Os Cancioneiros- Manuscritos: Só tardiamente (a partir do final do século XIII) as cantigas foram copiadas em manuscritos chamados cancioneiros. Três desses livros, contendo aproximadamente 1.680 cantigas, chegaram até nós:
- Cancioneiro da Ajuda
- Cancioneiro da Vaticana
- Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa
Os Autores- Trovadores: Os autores das cantigas são chamados trovadores. Eram pessoas cultas, quase sempre nobres, contando-se entre eles alguns reis, como D. Sancho I, D. Afonso X de Castela e D. Dinis. Nos cancioneiros que conhecemos, estão reunidas as cantigas de 153 trovadores.
Os Intérpretes- Jograis, Segréis e Menestréis: As cantigas compostas pelos trovadores eram musicadas e interpretadas pelo jogral, pelo segrel e pelo menestrel, artistas agregados às cortes ou perambulavam pelas cidades e feiras. Muitas vezes, o jogral também compunha cantigas.
Características das Cantigas- Língua Galego-Português
- Tradição Oral e Coletiva
- Poesia Cantada e Acompanhada por Instrumentos Musicais
- Colecionada em Cancioneiros
- Autores Trovadores
- Intérpretes: Jograis, Segréis e Menestréis
- Gêneros: Lírico (cantigas de amigo, cantigas de amor) e satírico (cantigas de escárnio, cantigas de maldizer).
Os Gêneros das Cantigas- Gênero Lírico:
- Cantigas de Amigo
- Cantigas de Amor
- Gênero Satírico:
- Cantigas de Escárnio
- Cantigas de Maldizer
Análise da Cantiga "Canção de Amigo" de Martim Codax
Texto Original: Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? E ai Deus, se verra cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado? E ai Deus, se verra cedo! Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro? E ai Deus, se verra cedo! Se vistes meu amado, por que ei gram coidado? E ai Deus, se verra cedo! Tradução: Ondas do mar de Vigo, acaso vistes meu amigo? Queira Deus que ele venha cedo! Ondas do mar agitado, acaso vistes meu amado? Queira Deus que ele venha cedo! Acaso vistes meu amigo aquele por quem suspiro? Queira Deus que ele venha cedo! Acaso vistes meu amado, por quem tenho grande cuidado (preocupado)? Queira Deus que ele venha cedo!
Características das Cantigas de Amigo:Voz Lírica Feminina: A cantiga tem a voz de uma mulher que expressa seus sentimentos amorosos de maneira direta e espontânea, algo típico das cantigas de amigo. A mulher se dirige ao mar e questiona sobre seu amado, em uma relação com a natureza. Tratamento Dado ao Namorado: O namorado é tratado como "amigo", o que é uma característica marcante da cantiga de amigo. Essa palavra sugere uma amizade profunda e intimidade, sem as conotações modernas de amor romântico, mas, ainda assim, existe uma forte ligação emocional. Expressão da Vida Campesina e Urbana: As cantigas de amigo, de maneira geral, trazem cenas simples e cotidianas, refletindo a vida das mulheres das camadas populares, que moravam tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. No caso dessa cantiga, o mar de Vigo pode sugerir um contexto geográfico específico, que remete à vida cotidiana e à relação da mulher com a natureza. Amor Realizado ou Possível - Sofrimento Amoroso: O sofrimento da mulher, que anseia pela chegada de seu amado, é um tema comum. Ela expressa sua saudade e sua espera, o que caracteriza a dor do amor não realizado ou distante. A repetição do verso "E ai Deus, se verra cedo!" é uma súplica pela chegada do amado, o que revela a vulnerabilidade emocional da mulher. Simplicidade - Pequenos Quadros Sentimentais: A cantiga se caracteriza pela simplicidade e pela sinceridade. A linguagem direta, sem adornos excessivos, é típica das cantigas de amigo. A mulher questiona repetidamente o mar sobre o paradeiro de seu amado, expressando sentimentos profundos em um contexto simples e natural. Paralelismo e Refrão: A estrutura da cantiga é marcada pelo paralelismo e pelo refrão, elementos comuns na poesia trovadoresca. O uso repetido da pergunta "Se vistes meu amigo?" e a resposta implícita "E ai Deus, se verra cedo!" reforça a urgência da espera e cria uma musicalidade que se repete ao longo da obra. Origem Popular e Autóctone: As cantigas de amigo têm uma origem popular e autóctone, isto é, são frutos da tradição oral da Península Ibérica, com influências da cultura e do folclore local. A simplicidade da linguagem e a ligação com o mundo natural refletem esse caráter popular.
Análise Poética da CantigaMartim Codax, ao escrever "Canção de Amigo", cria uma obra que não apenas expressa o sofrimento de uma mulher que aguarda seu amado, mas também encapsula um sentimento coletivo presente nas camadas populares da sociedade medieval. A voz lírica feminina, que é constante na cantiga, se destaca pela forma como lida com a saudade e a espera, temas universais e atemporais. O mar de Vigo, que aparece como um dos elementos centrais da composição, pode ser interpretado de diversas maneiras: como símbolo de distância, de separação, ou até mesmo como uma metáfora do caminho a ser percorrido para o reencontro. A repetição dos versos com a interrogação constante ao mar, se traduz como um clamor de esperança e desejo. A simplicidade da estrutura poética de Codax, com versos curtos e um refrão que se repete, cria uma musicalidade natural e envolvente, própria da poesia trovadoresca, que deveria ser cantada e acompanhada por música. A cantiga se caracteriza pela busca de um equilíbrio entre a dor da saudade e a esperança na chegada do amado, o que a torna uma das peças mais significativas da tradição trovadoresca. Em resumo, "Canção de Amigo" de Martim Codax encapsula de forma comovente a essência das cantigas de amigo, utilizando a simplicidade, a musicalidade e a expressão emocional para criar uma obra profundamente ligada à cultura e aos sentimentos da época.
Cantiga de amigo
D. Dinis
- Ai flores, ai flores do verde pino,
se
sabedes novass do meu amigo!
Ai
Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se
sabedes novas do meu amado!
Ai
Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel
que lmentiu do que pôs comigo!
Ai
Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel
que mentiu do que mi á jurado!
Ai
Deus, e u é?
- Vós me preguntades polo voss’amado,
e
eu bem vos digo que é san’e vivo.
Ai
Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss’amado,
e
eu bem vos digo que é viv’e sano.
Ai
Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san’e vivo
e
seera vosc’ant’o prazo saído.
Ai
Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é viv’e sano
e
seera vosc’ant’o prazo passado.
Ai
Deus, e u é?
Explicações
pino:
pinheiro
novas:
notícias
e u é?:
e onde ele está?
do que pôs comigo: sobre
aquilo que combinou comigo (isto é, o encontro sob os pinheiros)
preguntades:
perguntais
polo:
pelo
que é san’e vivo:
que está são (com saúde e vivo)
e seera vosc’ant’o prazo saído
(passado): e estará convosco antes de terminar o prazo combinado
Análise da Cantiga "Cantiga de Amigo" de D. DinisTexto Original: Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novass do meu amigo! Ai Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado! Ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, aquel que lmentiu do que pôs comigo! Ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi á jurado! Ai Deus, e u é? Vós me preguntades polo voss’amado, e eu bem vos digo que é san’e vivo. Ai Deus, e u é? Vós me preguntades polo voss’amado, e eu bem vos digo que é viv’e sano. Ai Deus, e u é? E eu bem vos digo que é san’e vivo e seera vosc’ant’o prazo saído. Ai Deus, e u é? E eu bem vos digo que é viv’e sano e seera vosc’ant’o prazo passado. Ai Deus, e u é?
Tradução: Ai flores, ai flores do verde pinheiro, se sabeis notícias do meu amigo! Ai Deus, onde está ele? Ai flores, ai flores do verde ramo, se sabeis notícias do meu amado! Ai Deus, onde está ele? Se sabeis notícias do meu amigo, aquele que mentiu sobre o que combinou comigo! Ai Deus, onde está ele? Se sabeis notícias do meu amado, aquele que mentiu sobre o que me jurou! Ai Deus, onde está ele? Vós me perguntais sobre o vosso amado, e eu bem vos digo que está são e vivo. Ai Deus, onde está ele? Vós me perguntais sobre o vosso amado, e eu bem vos digo que está vivo e são. Ai Deus, onde está ele? E eu bem vos digo que está são e vivo e estará convosco antes de terminar o prazo combinado. Ai Deus, onde está ele? E eu bem vos digo que está vivo e são e estará convosco antes do prazo ter passado. Ai Deus, onde está ele?
Características da Cantiga de Amigo de D. DinisVoz Lírica Feminina: A voz lírica, como é típico das cantigas de amigo, é feminina, expressando suas emoções e sentimentos em relação ao seu amado. A mulher se dirige às flores, como se elas soubessem de seu amado, o que simboliza a confissão íntima e a conexão com a natureza. Relação com a Natureza: A cantiga faz uso de elementos naturais, como "flores do verde pino" e "flores do verde ramo", que são apelidos para a natureza que a voz feminina invoca para questionar sobre a presença do amado. Essa relação com a natureza é característica das cantigas de amigo, que muitas vezes usam o ambiente ao redor como metáforas para os sentimentos da personagem. Sofrimento e Expectativa: A voz lírica expressa um sofrimento relacionado à espera do amado, questionando sua ausência e o que aconteceu com o encontro prometido. A repetição da pergunta "Ai Deus, e u é?" (onde ele está?) revela uma angústia e expectativa em relação ao amado, que não comparece no momento combinado. Simplicidade e Sentimento Puro: A estrutura da cantiga é simples e direta, como é comum nas cantigas de amigo. A linguagem é acessível e expressa sentimentos de amor, saudade e espera de maneira honesta e espontânea. O tom de lamento e anseio está presente ao longo do texto, caracterizando a sinceridade emocional da voz feminina. Ambiguidade e Incerteza: Em várias estrofes, a voz lírica questiona e duvida da presença e compromisso do amado, como se ele tivesse "mentido" sobre o que combinou ou jurou. A repetição do "Ai Deus, e u é?" também reflete uma incerteza sobre a chegada do amado e sobre o que realmente ocorreu, o que aumenta o caráter dramático da cantiga. Caminho de Resolução: Nas últimas estrofes, a voz lírica afirma que o amado está "são e vivo" e que virá dentro do prazo combinado, ou seja, há uma tentativa de resolver a angústia, dando uma resposta afirmativa. No entanto, a dúvida sobre o amado ainda paira, pois a certeza é dada apenas por alguém que não está diretamente em contato com ele, mas supõe que ele cumprirá o que prometeu. Refrão e Paralelismo: O refrão "Ai Deus, e u é?" é repetido ao longo de toda a cantiga, o que cria uma estrutura paralelística que reforça o sentimento de busca, dúvida e desejo. Esse paralelismo e repetição reforçam a musicalidade da obra, que era essencial para o contexto trovadoresco, onde as cantigas eram cantadas e acompanhadas por música.
Análise Poética da CantigaA cantiga de D. Dinis, como muitas outras cantigas de amigo, é uma expressão do sofrimento feminino diante da espera e da incerteza do amor. A repetição constante da dúvida, expressa pela interrogação "Ai Deus, e u é?", reflete a angústia de uma mulher que se vê em um momento de espera pelo seu amado, questionando sobre o que aconteceu ao que foi prometido. Ao tratar o amado de "amigo", a cantiga carrega um tom de simplicidade e de sinceridade na relação amorosa, característica das cantigas de amigo, em que o amor é expresso de maneira direta e sem artifícios. O uso do termo "flores" não é apenas uma referência à natureza, mas também uma forma simbólica de fazer com que a natureza saiba dos sentimentos da protagonista, conferindo-lhe uma espécie de sabedoria ou conexão com o universo. A tensão entre a esperança de que o amado cumprirá seu compromisso e a dúvida sobre sua fidelidade e presença é o motor da cantiga, com a resolução final afirmando que ele está "são e vivo", mas sem a certeza de que a mulher o verá em breve. Em termos estilísticos, a simplicidade e a musicalidade da cantiga são características que a tornam uma obra representativa do período trovadoresco. A linguagem direta e o uso do refrão aumentam o impacto emocional, permitindo que o ouvinte (ou leitor) se conecte com a dor e a espera da mulher, refletindo uma universalidade do sofrimento amoroso.
ConclusãoA cantiga "Cantiga de Amigo" de D. Dinis, com sua simplicidade e carga emocional, reflete a natureza e a realidade das cantigas de amigo. A protagonista expressa seus sentimentos de maneira direta e sem rodeios, usando a natureza como uma metáfora para seu sofrimento e suas dúvidas. A construção repetitiva e a presença de um refrão ajudam a reforçar o tema da espera ansiosa, característica do amor e da saudade na literatura medieval. A "Cantiga de Amor" de D. Dinis, intitulada "Quero em maneira de Provença", é uma obra emblemática do Trovadorismo português, destacando-se pela exaltação da figura feminina e pela idealização da amada. Texto Original: Quero em maneira de Provença! fazer agora um cantar d’amor e querrei muit’i loar mia senhor a que prez nem fremosura nom fal, nem bondade; e mais vos direi ém: tanto a fez Deus comprida de bem que mais que todas las do mundo val. Ca mia senhor quizo Deus fazer tal, quando a faz, que a fez sabedord e todo bem e de mui gram valor, e com tod’est[o] é mui comunal ali u deve; er deu-lhi bom sém, e desi nom lhi fez pouco de bem quando nom quis lh’outra foss’igual. Ca mia senhor nunca Deus pôs mal, mais pôs i prez e beldad’e loor e falar mui bem, e riir melhor que outra molher; desi é leal muit’, e por esto nom sei oj’eu quem possa compridamente no seu bem falar, ca nom á, tra-lo seu bem, al. Tradução: Quero, à maneira provençal, fazer agora um cantar de amor, e quero muito louvar minha senhora a quem honra nem formosura não faltam nem bondade; e mais vos direi sobre ela: Deus a fez tão cheia de qualidades que ela vale mais que todas as mulheres do mundo. Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo quando a fez, que a fez conhecedora de todo bem e de muito grande valor, e além disso é muito sociável quando deve; também deu-lhe bom senso, e desde então não lhe fez pouco bem impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela. Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal, mas pôs nela honra e beleza e mérito e capacidade de falar bem, e de rir melhor que outra mulher; além disso é leal muito, e por isto não sei hoje quem possa cabalmente falar no seu próprio bem pois não há outro bem, para além do seu. Análise: Voz Lírica Masculina:
A cantiga é composta na primeira pessoa do singular, com o eu lírico masculino dirigindo-se à sua amada, referindo-se a ela como "mia senhor" (minha senhora). Idealização da Amada:
A figura feminina é exaltada em suas qualidades físicas e morais. A amada é descrita como possuidora de honra, beleza, bondade, sabedoria e lealdade, sendo considerada superior a todas as mulheres do mundo. Influência Provençal:
O título da cantiga indica a inspiração na tradição trovadoresca provençal, conhecida por suas convenções de amor cortês e pela idealização da figura feminina. Estrutura e Estilo:
A cantiga apresenta uma estrutura poética regular, com versos que enfatizam as virtudes da amada. A linguagem é formal e reverente, refletindo as normas de cortesia da época. Contexto Histórico:
D. Dinis, conhecido como o "Rei Trovador", foi um grande incentivador da cultura e das artes em Portugal. Sua obra poética é vasta, com 138 cantigas conhecidas, refletindo seu amor pela literatura e pela música.
Conclusão: A "Cantiga de Amor" de D. Dinis é uma obra que exemplifica a idealização da mulher na literatura medieval portuguesa, seguindo as convenções do amor cortês e destacando as qualidades da amada de forma exaltada e reverente. O Gênero Satírico: Cantigas de Escárnio e Maldizer As cantigas satíricas têm grande relevância histórica e literária, sendo importantes documentos que revelam aspectos sociais e culturais da corte medieval portuguesa. Abaixo, as principais características organizadas por tópicos:
1. Importância Histórica das Cantigas Satíricas- Documentam a vida social da corte medieval portuguesa.
- Retratam reações públicas a eventos políticos.
- Revelam aspectos íntimos da aristocracia, trovadores e jograis.
- Exposição de mexericos e vícios ocultos da fidalguia medieval.
2. Diferença entre Cantigas de Escárnio e Cantigas de MaldizerCantigas de Escárnio: - Utilizam ironia e equívocos.
- Apresentam crítica indireta e mais sutil.
- Zombaria velada que exige interpretação cuidadosa.
Cantigas de Maldizer: - Realizam sátira direta, explícita e agressiva.
- Empregam palavrões, xingamentos e difamações.
- Abordam vícios sexuais e comportamentos imorais de forma desabusada.
3. Definições dos Termos- Escárnio:
- Zombaria, desprezo ou ironia indireta.
- Maldizer:
- Verbo: praguejar ou difamar.
- Substantivo: maledicência ou difamação direta.
4. Características das Cantigas SatíricasCantigas de Escárnio: - Indiretas, com uso de ironia e ambiguidade.
- Evitam críticas explícitas, exigindo interpretação refinada.
Cantigas de Maldizer: - Diretas e sem rodeios.
- Intenção claramente difamatória.
- Utilizam linguagem vulgar, com palavrões e insultos.
5. A Sátira como Paródia- Frequentemente, as cantigas de escárnio funcionam como uma paródia das cantigas de amor.
- Enquanto as cantigas de amor exaltam as virtudes da amada, as de escárnio subvertem esse elogio, tornando-o zombaria.
Análise da Cantiga de Escárnio: Pero LaroucoA cantiga de Pero Larouco é um exemplo clássico do gênero de escárnio, caracterizado pela crítica indireta, o uso de ironia e o tom satírico. Abaixo segue a análise detalhada:
Texto Original (Medieval)De vós, senhor, quer’eu dizer verdade e nom ja sobr’[o] amor que vos ei: senhor, bem [moor] é vossa torpicidade de quantas outras eno mundo sei; assi de fea come de maldade nom vos vence oje senom filha dum rei [Eu] nom vos amo nem me perderei, u vos nom vir, por vós de soidade[...]
Tradução (Moderna)Sobre vós, senhora, eu quero dizer verdade e não já sobre o amor que tenho por vós: senhora, bem maior é vossa estupidez do que a de quantas outras conheço no mundo tanto na feiúra quanto na maldade não vos vence hoje senão a filha de um rei Eu não vos amo nem me perderei de saudade por vós, quando não vos vir.
1. Estrutura e ContextoEstrutura: - O poema é composto em versos de arte menor, característico da poesia trovadoresca.
- Rima consonantal que reforça a musicalidade e a sátira.
Contexto Social: - Inserida na tradição das cantigas satíricas, reflete o ambiente cortesão, onde a sátira e a ironia eram usadas para criticar comportamentos ou personalidades de forma velada.
2. Elementos de EscárnioCrítica Indireta: - Embora mencione a "senhora" diretamente, o eu lírico utiliza ironia para criticar sua feiura, maldade e estupidez.
- A "filha de um rei" é usada como referência exagerada para minimizar qualquer possibilidade de elogio à destinatária.
Uso de Ironia: - A declaração inicial parece indicar um elogio (“quer’eu dizer verdade”), mas rapidamente se transforma em sarcasmo com expressões como "vossa torpicidade" e "bem maior é vossa estupidez".
- O tom finge neutralidade, mas carrega uma crítica profunda.
Ambiguidade e Subversão: - Apesar de ser uma sátira, o poema deixa margem para interpretação, típica das cantigas de escárnio, ao misturar elementos de "elogio" e "insulto".
- A contradição no verso final ("Eu não vos amo nem me perderei") sugere desprezo ao mesmo tempo em que reafirma a liberdade do eu lírico.
3. Temas Principais
4. Linguagem e Estilo- Adjetivação:
- Termos como "torpicidade", "fea" e "maldade" reforçam a crítica e o tom depreciativo.
- Tom Irônico:
- A forma aparentemente neutra de apresentar a "verdade" esconde uma crítica mordaz e jocosa.
5. Comparação com Cantigas de Maldizer
ConclusãoA cantiga de Pero Larouco é um exemplo refinado do uso da ironia para crítica social e pessoal na poesia trovadoresca. Representa bem a tradição das cantigas de escárnio, ao misturar elegância estrutural com uma mensagem satírica indireta, revelando o papel cultural da poesia satírica na corte medieval.
Cantiga
de escárnio
João Garcia de Ghilhade Ai, dona fea, fostes-vos queixar
que
vos nunca louv[o] em meu cantar;
mais
ora quero fazer um cantar
em
que vos loarei toda via;
e
vedes como vos quero loar:
dona
fea, velha e sandia! Dona fea, se Deus mi pardom,
pois
avedes [a]tam gram coraçom
que
vos eu loe, em esta razom
vos
quero ja loar toda via;
e
vedes qual sera a loaçom:
dona
fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loei
em
meu trobar, pero muito trobei;
mais
ora ja um bom cantrar farei,
em
que vos loarei toda via;
e
direi-vos como vos loarei:
dona
fea, velha e sandia! Tradução
Ai,
dona feia, foste-vos queixar
que
nunca vos louvo em meu cantar;
mas
agora quero fazer um cantar
em
que vos louvares de qualquer modo;
e
vede como quero vos louvar
dona
feia, velha e maluca! Dona feia, que Deus me perdoe,
pois
tendes tão grande desejo
de
que eu vos louve, por este motivo
quero
vos louvar já de qualquer modo;
e
vede qual será a louvação:
dona
feia, velha e maluca! Dona feia, eu nunca vos louvei
em
meu trovar, embora tenha trovado muito;
mas
agora já farei um bom cantar;
em
que vos louvarei de qualquer modo;
e
vos direi como vos louvarei:
dona
feia, velha e maluca!
A cantiga de escárnio de Garcia Guilhade é uma paródia das
cantigas de amor. Recorde-se de que, na cantiga de D. Dinis, o homem se propõe
a louvar as grandes qualidades de sua amada:
“e
querrei muit’i loar mia senhor
a
que prez nem fremosura nom fal”. Análise da Cantiga de Escárnio: João Garcia de GhilhadeA cantiga de escárnio "Ai, dona fea" de João Garcia de Ghilhade exemplifica o tom irônico e satírico típico do gênero trovadoresco, subvertendo as convenções das cantigas de amor para zombar da figura da "dona fea". Abaixo, segue a análise detalhada:
1. Estrutura e ContextoEstrutura: - A cantiga é composta em versos de arte menor, com rimas regulares e uma musicalidade que reforça o tom irônico.
- Refrão repetitivo (“dona fea, velha e sandia”) enfatiza o escárnio e cria um efeito humorístico.
Contexto Literário: - Faz paródia das cantigas de amor, onde normalmente o trovador exalta as qualidades físicas e morais de uma dama idealizada.
- Ao invés disso, João Garcia de Ghilhade utiliza o formato das cantigas de amor para ridicularizar a figura da mulher “fea, velha e sandia” (maluca).
2. Características de Escárnio
3. Comparação com Cantigas de AmorA cantiga de Ghilhade subverte diretamente os ideais das cantigas de amor. Enquanto estas exaltam as virtudes da dama, destacando sua beleza, graça e virtude, Ghilhade: - Descreve a dama com adjetivos pejorativos: fea (feia), velha e sandia (maluca).
- Contrapõe a solenidade dos temas amorosos com o humor grotesco e a sátira.
- Parodia o desejo de ser lembrada e louvada nas canções, algo comum nas cantigas de amor, transformando esse desejo em um pretexto para zombaria.
4. Temas Principais- Paródia e Ironia:
- A cantiga ironiza as convenções poéticas, revelando como a linguagem cortesã pode ser adaptada para zombar ao invés de enaltecer.
- Desmistificação da Dama:
- Ao descrever a dama de forma depreciativa, a cantiga quebra a idealização típica das mulheres na literatura trovadoresca.
- Rejeição Velada:
- Apesar de fingir louvar a dama, o eu lírico reforça sua rejeição emocional e estética.
5. Linguagem e Estilo- Tom Satírico:
- A repetição do refrão torna o tom da cantiga cômico e mordaz, expondo o exagero das críticas.
- Adjetivação Negativa:
- Palavras como "fea", "velha" e "sandia" são escolhidas propositalmente para construir uma imagem grotesca da figura feminina.
- Recurso à Paródia:
- O uso da estrutura típica das cantigas de amor serve para amplificar o efeito cômico e irônico.
6. Relação com D. DinisNa cantiga de D. Dinis, o trovador diz: "E querrei muit’i loar mia senhor a que prez nem fremosura nom fal."
Aqui, a figura da dama é exaltada com elogios à sua beleza (fremosura) e virtudes (prez). Em contraste, Ghilhade inverte o papel do trovador ao fazer da louvação uma oportunidade para a sátira, destacando defeitos ao invés de qualidades.
7. ConclusãoA cantiga de João Garcia de Ghilhade é uma representação primorosa do escárnio trovadoresco, combinando ironia, paródia e subversão das convenções poéticas. Ela reflete o papel social das cantigas satíricas na corte medieval, que não apenas divertiam, mas também criticavam de forma velada os costumes e as relações interpessoais do período. A repetição humorística do refrão a torna memorável, destacando seu tom sarcástico e zombeteiro. |
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