domingo, 17 de novembro de 2024

ALMAS AGRADECIDAS , Machado de Assis ( CONTO COMPLETO , ANÁLISE E PERGUNTAS COM RESPOSTAS, DISSERTAÇÃO)

 

 

ALMAS AGRADECIDAS                                                   Machado de Assis

 

Havia representação no Ginásio. A peça da moda era então a célebre Dama das Camélias. A casa estava cheia. No fim do quarto ato começou a chover um pouco; do meio do quinto ato em diante, a chuva redobrou de violência.

Quando acabou o espetáculo, cada família entrou no seu carro; as poucas que não tinham esperavam uma estiada, e, mediante os lá saíram com as saias arregaçadas.

 .........................aos olhos dando,

O que às mãos cobiçosas vão negando.

           Os homens abriam os seus guarda-chuvas; outros chamavam tílburis; e pouco a pouco se foi despejando o saguão, até que só ficaram dois rapazes, um dos quais abotoara até o pescoço o paletó, e esperava maior estiada para sair, porque além de não ter guarda-chuva, não via nenhum tílburi no horizonte.

O outro também abotoara o paletó, mas tinha guarda-chuva; não parecia, entretanto, disposto a abri-lo. Olhava de esguelha para o primeiro, que fumava tranquilamente um charuto.

Já o porteiro havia fechado as duas portas laterais e ia fazer o mesmo à porta central, quando o rapaz do guarda-chuva dirigiu ao outro estas palavras:

 - Para que lado vai?

 O interpelado compreendeu que o companheiro lhe ia oferecer abrigo e respondeu, com palavras de agradecimento, que morava na  Glória.

- É muito longe, disse ele, para aceitar o abrigo que naturalmente me quer oferecer. Eu esperarei aqui um tílburi.

 - Mas a porta vai fechar-se, observou o outro.

 - Não importa, esperarei do lado de fora.

 - Não é possível, insistiu o primeiro; a chuva ainda está forte  e pode aumentar mais. Não lhe ofereço abrigo até casa porque moro na Prainha, que é justamente do lado oposto; mas posso cobri-lo até ao Rócio, onde encontraremos um tílburi.

 - É verdade, respondeu o rapaz que não tinha guarda-chuva;  não me havia ocorrido isto, aceito com prazer.

 Saíram os dois rapazes e foram até ao Rocio. Nem sombra de tílburi ou caleça.

- Não admira, disse o rapaz do guarda-chuva; foram todos com gente do teatro. Daqui a pouco haverá algum de volta...

- Mas eu não quisera dar-lhe o incômodo de o reter mais tempo aqui à chuva.

- Cinco ou dez minutos, talvez; esperaremos.

A chuva veio contrariar estes bons desejos do rapaz, caindo com furor. Mas o desejo de servir tem mil maneiras de se manifestar. O rapaz do guarda-chuva propôs um meio excelente de escapar à chuva e esperar condução: era ir tomar chá ao hotel que mais à mão lhe ficasse. O convite não era mau; tinha só o inconveniente de vir de um desconhecido. Antes de lhe responder, o rapaz sem guarda-chuva deitou um rápido olhar ao seu companheiro, espécie de exame prévio da condição social da pessoa. Parece que a achou boa, porque aceitou o convite.

- É levar muito longe a sua bondade, disse ele, mas eu não posso deixar de abusar dela; a noite está inclemente.

- Eu também costumo esquecer o guarda-chuva, e amanhã estarei nas suas mesmas circunstâncias.

Foram para o hotel e daí a pouco tinham diante de si um excelente pedaço de rosbife frio, acompanhado de não menos excelente chá.

- Há de desculpar a minha curiosidade, disse o rapaz sem guarda-chuva; mas eu desejaria saber a quem devo a obsequiosidade com que sou tratado há vinte minutos.

- Não somos inteiramente desconhecidos, respondeu o outro; a sua memória é que é menos conservadora do que a minha.

- Donde me conhece?

- Do colégio. Andamos juntos no colégio Rosa...

- Andei lá, é verdade, mas...

- Não se lembra do Oliveira? Aquele que trocava as réguas por laranjas? Aquele que desenhava com giz o retrato do mestre nas costas dos outros meninos?

- Que me diz? É o senhor?

- De carne e osso, eu mesmo. Acha-me mudado, não?

- Oh! muito!

- Não admira: Eu era naquele tempo uma criança rechonchuda e vermelha; hoje como vê, estou quase tão magro como D. Quixote; e não foram trabalhos, porque eu não os tenho tido; nem desgostos, que eu ainda não os experimentei. O senhor, porém, é que não mudou; se não fosse esse pequeno bigode, pareceria o mesmo daquele tempo.

- E todavia não me hão faltado desgostos, acudiu o outro; minha vida tem sido atribulada. A natureza tem destas coisas.

- Casou?

- Não; e o senhor?

- Também não.

A pouco e pouco começaram as confidências pessoais; cada um narrou aquilo que podia narrar, por maneira que, ao fim da cela, pareciam tão íntimos como no tempo do colégio.

Sabemos destas revelações mútuas, que Oliveira era bacharel em direito, e começava a advogar com pouco êxito. Herdara alguma coisa da avó, última parenta que conservara até então, tendo-lhe morrido os pais antes de entrar na adolescência. Estava com certo desejo de entrar na vida política e contava com a proteção de alguns amigos de seu pai, para ser eleito deputado à assembleia provincial fluminense.

Magalhães era o nome do outro; não herdara de seus pais dinheiro, nem amigos políticos. Aos 16 anos, achou-se só no mundo; exercera vários empregos de caráter particular, até que conseguira obter uma nomeação para o Arsenal de Guerra, onde estava atualmente... Confessou que esteve a ponto de enriquecer, casando com uma viúva rica; mas não revelou as causas que lhe impediram essa mudança de fortuna.

 A chuva cessara de todo. Já uma parte do céu se havia descoberto deixando aparecer o rosto da lua cheia, cujos raios pálidos e frios brincavam nas pedras e nos telhados úmidos.

 Saíram os nossos dois amigos.

Magalhães declarou que iria a pé.

 - Não chove mais, disse ele; ou, pelo menos, nesta meia hora; vou a pé até à Glória.

 - Pois bem, respondeu Oliveira; já lhe disse o número da minha casa e do meu escritório; apareça lá algumas vezes; folgarei de reatar as nossas relações da meninice.

 - Também eu; até breve.

 - Despediram-se na esquina da rua do Lavradio, e Oliveira enfiou pela de S. Jorge. Ambos foram pensando um no outro.

 - Parece ser um excelente rapaz este Magalhães, dizia o jovem advogado consigo; no colégio, foi sempre um menino sério. Ainda o é agora; e até parece um pouco reservado, mas é natural porque sofreu.

 

 II

 

Três dias depois, apareceu Magalhães no escritório de Oliveira; falou na sala a um porteiro que lhe pediu o cartão.

- Não tenho cartão, respondeu Magalhães envergonhado; esqueci-me  de o trazer; diga-lhe que é o Magalhães.

 - Queira esperar alguns minutos, tornou o porteiro; ele está conversando com uma pessoa.

 Magalhães assentou-se numa cadeira de braços, enquanto o porteiro assoava silenciosamente o nariz e tomava uma pitada de rapé, que lhe não ofereceu. Magalhães examinou detidamente as cadeiras, as estantes, os quadros de gravuras, os capachos e as escarradeiras. A sua curiosidade era minuciosa e sagaz; parecia estar avaliando o gesto ou a riqueza de seu ex-colega.

 Minutos depois, ouviu-se um rumor de cadeiras, e não tardou que viesse da sala do fundo um velho alto e empertigado, vestido com certo apuro, a quem o porteiro fez largos cumprimentos até o patamar da escada.

 Magalhães não esperou que o porteiro fosse avisar Oliveira; atravessou o corredor que separava as duas salas e foi ter com o amigo.

 - Ora, viva! disse este apenas o viu entrar. Estimo que não lhe houvesse esquecido a promessa. Sente-se; chegou a casa com chuva?

- Começou a chuviscar, quando eu me achava a dois passos da porta, respondeu Magalhães.

- Que horas são?

- Pouco mais de duas, creio eu.

- O meu relógio está parado, disse Oliveira, lançando o olhar de esguelha para o colete de Magalhães, que não tinha relógio. Naturalmente, ninguém mais me procurará hoje; e ainda que venham, quero descansar.

Oliveira tocou a campainha apenas acabou de proferir estas palavras. Veio o porteiro.

- Se vier alguém, disse Oliveira, não estou cá.

O porteiro inclinou-se e saiu.

- Estamos livres de importunos, disse o advogado, apenas o porteiro virou as costas.

Todas estas maneiras e palavras de simpatia e cordialidade foram angariando a confiança de Magalhães, que começou a parecer alegre e franco com o seu ex-colega.

Longa foi a conversa, que durou até às 4 horas da tarde. Às 5 jantava Oliveira; mas o outro jantava às 3, e se o não disse, era talvez por deferência, se não fosse por cálculo. Um jantar copioso e escolhido não era melhor que o ramerrão culinário de Magalhães? Fosse uma ou outra coisa, Magalhães suportou a fome com admirável denodo. Eram 4 horas da tarde, quando Oliveira deu acordo de si.

- Quatro horas! exclamou ele, ouvindo as badaladas de um sino próximo. Naturalmente, já você perdeu a hora do jantar.

- Assim é, respondeu Magalhães; eu costumo jantar às 3 horas. Não importa; adeus.

- Isso é que não; há de ir jantar comigo.

- Não; obrigado...

- Ande cá, jantaremos no hotel mais próximo, porque a minha casa é longe. Eu ando com ideia de mudar de casa; estou muito fora do centro da cidade. Vamos aqui ao Hotel de Europa.

Os vinhos eram bons; Magalhães gostava de vinhos bons. No meio do jantar, tinha-se-lhe desenvolvido completamente a língua. Oliveira fazia quanto podia para tirar ao amigo da infância toda espécie de acanhamento. Isto e o vinho deram excelente resultado.

Desta ocasião em diante foi que Oliveira começou a apreciar o ex-colega. Era Magalhães um rapaz de agudo espírito, boa observação, conversador ameno, um pouco lido em obras fúteis e correntes. Tinha, além disso, o dom de ser naturalmente insinuante. Com estas prendas juntas não era difícil, era antes facílimo angariar as boas graças de Oliveira, que, à sua extrema bondade, reunia uma natural confiança, ainda não diminuída pelos cálculos da vida madura. Demais Magalhães tinha sido infeliz; esta circunstância era aos olhos de Oliveira um realce. Finalmente, o seu ex-colega já lhe confiara no trajeto do escritório ao hotel, que não contava um amigo debaixo do sol. Oliveira queria ser esse amigo.

Qual importa mais à vida, ser Dom Quixote ou Sancho Pança? O ideal ou o prático? A generosidade ou a prudência? Oliveira não hesitava entre esses dois opostos papéis; nem sequer pensara neles. Estava no período do coração.

Apertaram-se os laços da amizade entre os dois colegas. Oliveira mudou-se para a cidade, o que deu azo a que os dois amigos se encontrassem mais vezes. A frequência veio a uni-los ainda mais.

Oliveira apresentou Magalhães a todos os seus amigos; levou-o à casa de alguns. A sua palavra afiançava o hóspede que, dentro em pouco tempo, captava as simpatias de todos.

Nisto era Magalhães superior a Oliveira. Não faltava ao advogado inteligência, nem maneiras, nem dom para se fazer estimado. Mas os dotes de Magalhães superavam os dele. A conversa de Magalhães era mais picante, mais variada, mais atraente. Há muito quem prefira a amizade de um homem sarcástico, e Magalhães tinha seus longes de sarcástico.

Não se magoava com isto Oliveira, antes parecia ter certa glória em ver que seu amigo obtinha por seu mérito a estima dos outros.

Facilmente acreditará o leitor que estes dois amigos se fizessem confidentes de todas as coisas, principalmente de coisas de amores. Nada esconderam a este respeito um ao outro, com a diferença de que Magalhães, não tendo amores atuais, confiou ao amigo apenas algumas proezas antigas, ao passo que Oliveira, a braços com algumas aventuras, não dissimulou nenhuma delas, e tudo contou a Magalhães.

E foi bem que o fizesse, porque Magalhães era homem de bom conselho, dava ao amigo pareceres sensatos, que ele ouvia e aceitava com grande proveito seu e para maior glória da recíproca amizade.

A dedicação de Magalhães ainda se manifestava por outro modo. Não era raro vê-lo desempenhar um papel de conciliador, auxiliar uma inocente mentira, ajudar o amigo em todas as dificuldades que o amor depara aos seus alunos.

 

III

 

Um dia de manhã, leu Oliveira, ainda na cama, a noticia e a demissão de Magalhães, impressa no Jornal do Comércio. Grande foi a sua mágoa, mas ainda maior que a mágoa foi a raiva que esta notícia lhe causou. Demitir Magalhães! Oliveira mal podia compreender este ato do ministro. O ministro era necessariamente tolo ou tratante.

Havia patronato naquilo. Não seria pagamento a algum eleitor solícito?

Estas e outras conjeturas preocuparam o advogado até à hora do almoço. Almoçou pouco. O estômago acompanhava a dor do coração.

Magalhães devia ir nesse dia ao escritório de Oliveira. Com que ansiedade esperou este a hora marcada! Esteve a ponto de faltar a um depoimento de testemunhas. Mas a hora chegou e Magalhães não apareceu. Oliveira estava sobre brasas. Qual a razão da falta? Não atinava com ela.

Eram quatro horas, quando saiu do escritório, e sua resolução imediata foi meter-se num tílburi e seguir para a Glória.

Assim o fez.

Quando lá chegou, estava Magalhães lendo um romance. Não parecia abatido pelo golpe ministerial. Todavia, não estava alegre. Fechou o livro lentamente e abraçou o amigo.

Oliveira não podia conter a sua cólera.

- Lá vi hoje, disse ele, a notícia da tua demissão. É uma patifaria sem nome...

- Por quê?

- Ainda o perguntas?

- Sim; por quê? O ministro é senhor dos seus atos e responsável por eles; podia demitir-me e fê-lo.

- Mas fez mal, disse Oliveira.

Magalhães sorriu tristemente.

- Não podia deixar de o fazer, disse ele; um ministro é muitas vezes um amanuense do destino, que só parece ocupar-se em me perturbar a vida e multiplicar todos os esforços.

- Que queres? Eu já estou acostumado, não resisto; dia virá em que estes golpes terão um termo. Dia virá em que eu possa vencer a má fortuna de uma vez para sempre. Tenho o remédio nas mãos.

- Deixa-te de tolices, Magalhães.

- Tolices?

- Mais que tolices; sê forte!

Magalhães abanou a cabeça.

- Não custa aconselhar fortaleza, murmurou ele; mas quem tem sofrido como eu...

- Já não contas com os amigos?

- Os amigos não podem tudo.

- Muito obrigado! Eu te mostrarei se podem.

- Não te iludas, Oliveira; não te esforces a favor de um homem que a sorte condenou.

- Histórias!

- Sou um condenado.

- És um fracalhão.

- Acreditas que eu...

- Acredito que és um fracalhão, e que não pareces aquele mesmo Magalhães que sabe conservar o sangue frio em todas as ocasiões graves. Descansa, eu tirarei desforra brilhante. Antes de quinze dias estarás empregado.

- Não creias...

- Desafias-me?

- Não; bem conheço de que é capaz teu coração nobre e generoso... mas...

- Mas o quê?

- Receio que a má fortuna seja mais forte do que eu.

- Verás.

Oliveira deu um passo para a porta.

- Nada disso impede que venhas jantar comigo, disse ele, voltando-se para Magalhães.

- Obrigado; já jantei.

- Anda ao menos comigo para ver se te distrais.

Magalhães recusou; mas Oliveira insistiu com tão boa vontade que não havia recusar.

Durante a noite seguinte, meditou Oliveira acerca do negócio de Magalhães. Tinha amigos importantes, os mesmos que forcejavam por lhe abrir carreira política. Oliveira pensou neles como os mais próprios para levar a cabo a obra de seus desejos. O grande caso para ele era empregar Magalhães, em cargo tal que despicasse da prepotência ministerial. O substantivo prepotência era a exata expressão de Oliveira.

Não lhe ocultaram os amigos que o caso não era fácil; mas prometeram que a dificuldade seria vencida. Não se dirigiram ao Ministro da Guerra, mas a outro; Oliveira pôs em campo o recurso feminino. Duas senhoras de seu conhecimento foram em pessoa falar ao ministro, em favor do feliz candidato.

Não negou o digno membro do poder executivo a dificuldade de criar um lugar para dar ao pretendente. Seria cometer a injustiça de tirar o pão a empregados úteis ao pais.

Instavam, porém, os padrinhos, audiências e cartas, pedidos de toda sorte; nada ficou por empregar em favor de Magalhães.

Depois de cinco dias de lutas e solicitações diárias, declarou o ministro que poderia dar um bom emprego a Magalhães na Alfândega de Corumbá. Já era boa vontade da parte do ministro, mas os protetores de Magalhães recusaram a graça.

- O que se deseja de V. Excía., disse um deles, é que o nosso afilhado seja empregado aqui mesmo na Corte. Vai nisso uma questão de honra, e uma questão de comodidade.

Tinha boa vontade o ministro, e entrou a cogitar no meio de acomodar o pretendente. Havia em uma das repartições a seu cargo um empregado que durante o ano faltava muitas vezes ao ponto, e na última peleja eleitoral votara contra o ministro. Caiu-lhe uma demissão em casa, e para evitar empenhos mais fortes, no mesmo dia em que apareceu a demissão do empregado vadio, apareceu a nomeação de Magalhães.

Foi o próprio Oliveira que levou a Magalhães o desejado decreto.

- Dá-me cá um abraço, disse ele, e reza aí um mea culpa. Venci o destino. Estás nomeado.

- Quê! será possível?

- Aqui tens o decreto!

Magalhães caiu nos braços de Oliveira.

A gratidão de quem recebe um beneficio é sempre menor que o prazer daquele que o faz. Magalhães exprimia todo seu reconhecimento pela dedicação e perseverança de Oliveira; mas a alegria de Oliveira não tinha limites. A explicação desta diferença está talvez neste fundo de egoísmo que há em todos nós.

Em todo caso, a amizade dos dois ex-colegas ganhou com isso maior solidez.

 

 IV

 

O novo emprego de Magalhães era muito melhor que o primeiro em categoria e lucro, de maneira que a demissão, longe de lhe ser um golpe funesto do destino, foi um lance de melhor fortuna.

Passou Magalhães a ter melhor casa e a alargar um pouco mais a bolsa, pois que a tinha agora mais farta que dantes; Oliveira observava esta mudança e regozijava-se com a ideia de que contribuíra para ela.

A vida de ambos continuaria por este teor, plácida e indiferente, se um acontecimento não a viesse perturbar de repente.

Um dia, achou Magalhães que Oliveira parecia preocupado. Perguntou-lhe francamente o que era.

- Que há de ser? disse Oliveira. Eu sou um miserável nessas coisas de amores; estou apaixonado.

- Queres que te diga uma coisa?

- O quê?

- Acho que fazes mal em diluir o teu coração com essas mulheres.

- Que mulheres?

- Essas.

- Não me compreendes, Magalhães; a minha atual paixão é séria; amo uma menina honesta.

- Que mágoas então são essas? Casa com ela.

- Esse é o ponto. Creio que ela não me ama.

- Ah!

Houve um silêncio.

- Mas não te resta esperança nenhuma? perguntou Magalhães.

- Não posso dizer isso; não penso que ela seja sempre esquiva ao meu sentimento; mas por ora nada há entre nós.

Magalhães entrou a rir.

- Pareces-me calouro, homem! disse ele. Quantos anos tem ela?

- Dezessete.

- A idade da inocência; suspiras em silêncio e queres que ela te adivinhe. Nunca chegarás ao cabo. Tem-se comparado o amor à guerra. Assim é. No amor, querem-se atos de bravura como na guerra. Avança afoitamente e vencerás.

Oliveira ouvia estas palavras com a atenção de um homem sem iniciativa, a quem todo conselho serve. Confiava no juízo de Magalhães e o parecer dele era razoável.

- Parece-te então que eu devo expor-me?

- Sem dúvida.

O advogado referiu depois todas as circunstâncias do seu encontro com a moça em questão. Pertencia a uma família com quem esteve em casa de terceiro; o pai era um excelente homem, que o convidou a frequentar a casa, e a mãe uma excelente senhora, que ratificou o convite do marido. Oliveira não tinha ido lá depois disso, porque, segundo imaginava, a moça não correspondia à sua afeição.

- És um tolo, disse Magalhães quando o amigo acabou a narração. Vês a rapariga num baile, ficas gostando dela, e só porque ela não te caiu logo nos braços, desistes de lhe frequentar a casa. Oliveira, tem juízo: vai à casa dela, e dir-me-ás daqui a pouco tempo se te não aproveita o conselho. Queres casar, não?

- Oh! podias pôr em dúvidas?...

- Não; é uma pergunta. Não é casamento romântico?

- Que queres dizer com isso?

- Ela é rica?

Oliveira franziu a testa.

- Não te zangues, disse Magalhães. Eu não sou nenhum espírito rasteiro; também, conheço as delicadezas do coração. Nada vale mais que um amor verdadeiro e desinteressado. Não se me há de censurar, porém, que eu procure ver o lado prático das coisas; um coração de ouro vale muito; mas um coração de ouro com ouro vale mais.

- Cecília é rica.

- Pois tanto melhor!

- Afianço-te, porém, que essa consideração...

- Não precisas afiançar nada; eu bem sei o que vales, disse Magalhães apertando as mãos de Oliveira. Anda, meu amigo, não te detenho; procura a tua felicidade.

Animado por estes conselhos, tratou Oliveira de sondar o terreno para declarar a sua paixão. Omiti de propósito a descrição de Cecília feita por Oliveira ao seu amigo Magalhães. Não desejava exagerar aos olhos dos leitores a beleza da moça, que a um namorado parece sempre maior do que realmente é. Mas Cecília era realmente formosa. Era uma beleza, uma flor em toda a extensão da palavra. Todas as forças e fulgores da mocidade estavam nela, que apenas sala da adolescência e parecia anunciar longa e esplêndida juventude. Não era alta, mas também não era baixa. Era acima de meã. Era muito corada e viva; tinha uns olhos brilhantes e buliçosos, olhos de namorada ou namoradeira; era talvez um pouco afetada, mas deliciosa; tinha certas exclamações que lhe ficavam bem nos seus lábios finos e úmidos.

Oliveira não viu logo todas estas coisas na noite em que lhe falou; mas não tardou que ela se lhe revelasse assim, desde que começou a frequentar a casa dela.

Nisto, era Cecília ainda um pouco criança; não sabia dissimular, nem era difícil captar-lhe a confiança. Mas, através das aparências de frivolidade e volubilidade, descobria-lhe Oliveira sólidas qualidades de coração. O contato redobrou o seu amor. No fim de um mês, Oliveira parecia perdido por ela.

Magalhães continuava a ser o conselheiro de Oliveira e o seu único confidente. Um dia, pediu-lhe o namorado que fosse com ele à casa de Cecília.

- Tenho medo, disse Magalhães.

- Por quê?

- Sou capaz de precipitar tudo, e isso não sei se será conveniente antes de conhecer bem o terreno. Em qualquer caso, não é mau que eu vá examinar por mim mesmo as coisas. Irei quando quiseres.

- Amanhã?

- Seja amanhã.

No dia seguinte, Oliveira apresentou Magalhães em casa do comendador Vasconcelos.

- É o meu melhor amigo, disse Oliveira.

Na casa de Vasconcelos, já estimavam o advogado; esta apresentação bastava para recomendar Magalhães.

 

V

 

O comendador Vasconcelos era um velho folgazão. Estouvado na mocidade, não o era menos na velhice. O estouvamento na velhice é, por via de regra, um senão; todavia, o estouvamento de Vasconcelos tinha um toque peculiar, um caráter todo seu, por modo que era impossível compreender aquele velho sem aquele estouvamento.

Contava já seus cinquenta e oito anos, e andaria lépido como um rapaz de vinte anos, se não fosse uma volumosa barriga que, desde os quarenta anos, lhe começara a crescer com grave desdouro das suas graças físicas, que as tinha, e sem as quais era duvidoso que a Sra. D. Mariana houvesse casado com ele.

D. Mariana, antes de casar, professava um princípio seu: o casamento é um estado vitalício; cumpre não precipitar a escolha do noivo. Pelo que, rejeitou três pretendentes que, apesar de suas boas qualidades, tinham um defeito físico importante: não eram bonitos. Vasconcelos alcançou o seu Austerlitz onde os outros haviam achado Waterloo.

Salvante a barriga, Vasconcelos era ainda um belo velho, uma ruína magnífica. Não tinha paixões políticas: votara alternadamente com os conservadores e os liberais para contentar os amigos que tinha em ambos os partidos. Conciliava as opiniões sem arriscar as amizades.

Quando o acusavam deste ceticismo político, respondia com uma frase que, se não discriminava as suas opiniões, abonava o seu patriotismo:

- Somos todos brasileiros.

Quadrava o gênio de Magalhães com o de Vasconcelos. A intimidade não tardou muito. Já sabemos que o amigo de Oliveira tinha a grande qualidade de se fazer querido com pouco trabalho. Vasconcelos morria por ele; achava-lhe imensa graça e sólido juízo. D. Mariana chamava-lhe a alegria da casa; Cecília não tinha mais condescendente conversador.

Para os fins de Oliveira era excelente.

Não se descuidou Magalhães de sondar o terreno, a ver se podia animar o amigo. Achou o terreno excelente. Falou uma vez à moça a respeito do amigo e ouviu-lhe palavras de animadora esperança. Parece-me ser, disse ela, um excelente coração.

- Afirmo que o é, disse Magalhães; conheço-o há muito tempo.

Quando Oliveira soube destas palavras, que não eram muita coisa, ficou muito animado.

- Creio que posso ter esperanças, disse ele.

- Nunca te disse outra coisa, respondeu Magalhães.

Magalhães nem sempre podia servir aos interesses do amigo, porque Vasconcelos, a quem caíra em graças, confiscava-o horas inteiras, ou palestrando, ou jogando o gamão.

Um dia, Oliveira perguntou ao amigo se era conveniente arriscar uma carta.

- Ainda não, deixa-me preparar a coisa.

Oliveira acedeu.

A quem ler estas páginas muito por alto, parecerá inverossímil da parte de Oliveira semelhante necessidade de um cicerone.

Não é.

Oliveira nenhuma demonstração dera até ali à moça, que se conservava ignorante do que se passava dentro dele; e se assim praticava, era por um excesso de timidez, fruto de suas proezas com mulheres de outra classe.

Nada intimida mais a um conquistador de mulheres fáceis do que a ignorância e a inocência de uma donzela de dezessete anos.

Acresce que, se Magalhães era de opinião que ele não se demorasse em expor os seus sentimentos, já agora pensava que era melhor não arriscar golpe sem certeza do resultado.

A dedicação de Magalhães também parecerá condescendente aos espíritos severos. Mas a que se não expõe a verdadeira amizade?

Na primeira ocasião que se lhe deparou, tratou Magalhães de perscrutar o coração da moça.

Era de noite; havia gente em casa. Oliveira estava ausente. Magalhães conversava com Cecília a respeito de um chapéu com que uma senhora idosa entrara na sala.

Magalhães fazia a respeito do chapéu mil conjeturas burlescas.

- Aquele chapéu, dizia ele, parece-me um ressuscitado. Houve naturalmente alguma epidemia de chapéus em que morreu aquele, acompanhado de outros seus irmãos. Aquele ressuscitou, para vir dizer a este mundo o que é o paraíso dos chapéus.

Cecília reprimia uma risada. Magalhães continuava:

- Eu, se fosse aquele chapéu, pedia uma pensão como inválido e como raridade.

Isto era mais burlesco que picante, mais estúrdio que engraçado; todavia, fazia rir Cecília. Repentinamente, Magalhães ficou sério e consultou o relógio.

- Já se vai embora? perguntou a moça.

- Não, senhora, disse Magalhães.

- Guarde então o relógio.

- Admira-me que Oliveira ainda não viesse.

- Virá mais tarde. Os senhores são muito amigos?

- Muito. Conhecemo-nos desde crianças. É uma bela alma.

Houve um silêncio.

Magalhães cravou os olhos na moça, que olhava para o chão, e disse:

- Feliz aquela que o possuir.

A moça não revelou a menor impressão ao ouvir estas palavras de Magalhães. Ele repetiu a frase, e ela perguntou se não seriam horas de tomar chá.

- Já amou, D. Cecília? perguntou Magalhães.

- Que pergunta é essa?

- É uma curiosidade.

- Nunca amei.

- Por quê?

- Sou muito criança.

- Criança!

Outro silêncio.

- Conheço alguém que a ama muito.

Cecília estremeceu e ficou muito corada; não respondeu nem se levantou. Para sair, porém, da situação em que as palavras de Magalhães a deixaram, disse rindo:

- Essa pessoa... quem é?

- Quer saber o nome?

- Quero. É seu amigo?

- É.

- Diga o nome.

Outro silêncio.

- Promete não ficar zangada comigo?

- Prometo.

- Sou eu.

Cecília esperava ouvir outra coisa; esperava ouvir o nome de Oliveira. Qualquer que fosse a sua inocência, havia percebido naqueles últimos dias que o rapaz tinha queda por ela. Da parte de Magalhães, não esperava semelhante declaração; todavia, o seu espanto não de cólera, apenas surpresa.

A verdade é que ela não amava nenhum deles.

Não tendo a moça respondido logo, Magalhães disse com um sorriso benévolo:

- Já sei que ama outro.

- Que outro?

- Oliveira.

- Não.

Era a primeira vez que Magalhães apresentava um aspecto grave; penalizada com a ideia de que lhe houvesse com o silêncio causado alguma tristeza, que ela adivinhava, posto que não sentisse. Cecília disse ao fim de alguns minutos:

- O senhor está brincando comigo?

- Brincando! disse Magalhães. Tudo quanto quiser, menos isso; não se brinca com o amor ou o sofrimento. Já lhe disse que a amo; responda-me francamente se posso nutrir alguma esperança.

A moça não respondia.

- Não poderei viver ao pé da senhora sem uma esperança, embora remota.

- O papá é quem decide de mim, disse ela desviando a conversa.

- Pensa que eu sou desses corações que se contentam com o consentimento paterno? O que eu desejo possuir primeiro é o seu coração. Diga-me: posso esperar essa fortuna?

- Talvez, murmurou a menina, levantando-se envergonhada dessa singela palavra.

 

 VI

 

Era a primeira declaração que Cecília ouvia da boca de um homem. Não estava preparada para ela. Tudo o que ouvira lhe causara um inexplicável alvoroço.

Posto que não amasse nenhum dos dois, apreciava ambos os rapazes, e não seria difícil que cedesse ao pedido de um deles e viesse a amá-lo apaixonadamente.

Dos dois rapazes, o que mais depressa conseguiria vencer, dado o caso que se declarassem ao mesmo tempo, era sem dúvida Magalhães, cujo espírito galhofeiro e presença insinuante devia influir mais no espírito da moça.

Minutos depois da cena narrada no capitulo anterior, já os olhos de Cecília procuravam os de Magalhães, mas rapidamente, sem se demorar neles; todos os sintomas de um coração que não se demorará em ceder.

Magalhães tinha a vantagem de conservar todo o sangue frio no meio da situação que se lhe apresentava, e isso era excelente para não descobrir aos olhos estranhos o segredo que ele tinha interesse em conservar.

Pouco depois, entrou Oliveira. Magalhães deu-se pressa em o chamar de parte.

- Que há? perguntou Oliveira.

- Boas notícias.

- Falaste-lhe?

- Positivamente não; mas encaminhei o negócio de maneira que talvez em poucos dias tenha a tua situação mudado completamente.

- Mas que houve?

- Falei-lhe de amores; ela pareceu indiferente a essas ideias; disse-lhe então gracejando que a amava...

- Tu?

- Sim. De que te admiras?

- E que disse ela?

- Riu-se. Então perguntei-lhe velhacamente se amava alguém. E ela a isto respondeu que não, mas por modo que me parecia uma afirmativa. Deixa o caso por minha conta. Amanhã, desfaço a meada; digo-lhe que eu estava brincando... Mas paremos aqui, que aí vem o comendador.

Efetivamente, Vasconcelos chegara à janela onde os dois estavam. Uma das manias de Vasconcelos era comentar durante o dia todas as notícias que os jornais publicavam de manhã. Os jornais daquele dia falavam de um casal encontrado morto num quarto da casa em que residia. Vasconcelos desejava saber se os dois amigos optavam pelo suicídio, circunstância esta que o levaria a adotar a hipótese do assassínio.

Foi esta conversa uma completa diversão ao assunto amoroso, e Magalhães aproveitou o debate entre Oliveira e Vasconcelos para ir conversar com Cecília.

Falaram de coisas indiferentes, mas Cecília estava menos expansiva; Magalhães supôs a princípio que fosse um sintoma de esquivança; não era. Bem o notou ele quando, ao sair, Cecília correspondeu energicamente ao seu apertado aperto de mão.

- Pensas que serei feliz, Magalhães? perguntou Oliveira apenas se acharam na rua.

- Penso.

- Não imaginas que dia passei hoje.

- Não hei de imaginar!

- Olha, nunca pensei que esta paixão pudesse dominar tanto a minha vida.

Magalhães animou o rapaz, que o convidou a cear, não porque o amor lhe deixasse largo campo às exigências do estômago, senão porque havia jantado pouco.

Eu peço perdão aos meus leitores, se entro nestas explicações a respeito da comida.

Quer-se um herói romântico, acima das necessidades vulgares da vida humana; mas não posso deixar de as mencionar, não por sistema, mas por ser fiel à história que estou contando.

A ceia foi alegre, porque Magalhães e a tristeza eram incompatíveis. Oliveira, apesar de tudo, comeu pouco, Magalhães largamente. Entendia que lhe cumpria pagar a ceia; mas o amigo não consentiu nisso.

- Olha, Magalhães, disse Oliveira ao despedir-se dele. A minha felicidade está nas tuas mãos; és capaz de dar conta dela?

- Não se devem prometer coisas tais; o que eu te afirmo é que não pouparei esforços.

- E pensas que serei feliz?

- Quantas vezes queres que to diga?

- Adeus.

- Adeus.

No dia seguinte, Oliveira mandou dizer a Magalhães que estava um pouco Incomodado. Magalhães foi visitá-lo.

Achou-o de cama.

- Estou com alguma febre, disse o advogado; dize isto mesmo ao comendador, a quem eu prometi de Ir lá hoje.

Magalhães cumpriu o pedido.

Era a ocasião de se manifestar a dedicação de Magalhães. Não faltou este moço a tão sagrado dever. Passava com Oliveira a tarde e as noites e só se separava dele para ir, às vezes, à casa de Vasconcelos, que era isso mesmo o que Oliveira lhe pedia.

- Fala-lhe sempre de mim, dizia Oliveira.

- Não faço outra coisa.

E assim era. Magalhães não cessava de dizer que vinha ou ia para casa de Oliveira, cuja doença ia tomando um aspecto grave.

- Que amigo! murmurava consigo D. Mariana.

- O senhor é um bom coração, dizia Vasconcelos apertando as mãos de Magalhães.

- O Sr. Oliveira deve querer-lhe muito, dizia Cecília.

- Como a um irmão.

A doença de Oliveira era grave; durante todo o tempo que durou, não se desmentiu nunca a dedicação de Magalhães.

Oliveira admirava-o. Via que o benefício que lhe fizera não caíra em má terra. Grande foi a sua alegria quando, ao começar a convalescença, Magalhães lhe pediu duzentos mil-réis, com promessa de os pagar no fim do mês.

- Quanto quiseres, meu amigo. Tira-os ali da secretária.

- Acredita que isto me vexa imensamente, disse Magalhães, metendo na algibeira duas notas de cem mil-réis. Nunca te pedi dinheiro; agora, menos que nunca, devia pedir-te.

Oliveira compreendeu o pensamento do amigo.

- Não sejas tolo; a nossa bolsa é comum.

- Oxalá que esse belo princípio possa ser realizado literalmente, disse Magalhães rindo.

Oliveira não lhe falou nesse dia a respeito de Cecília. Foi o próprio Magalhães que encetou a respeito dela uma conversa.

- Queres ouvir uma coisa? disse ele. Apenas saíres, manda-lhe uma carta.

- Por quê? Crês que...

- Creio que é a hora do golpe.

- Só para a semana poderei sair.

- Não importa, virá a tempo.

Para compreender bem a situação singular em que se achavam estes personagens todos, é mister transcrever aqui as palavras com que nessa mesma noite se despediram Magalhães e Cecília à janela da casa desta:

- Até amanhã, disse Magalhães.

- Virás cedo?

- Venho às 8 horas.

- Não faltes.

- Queres que te jure?

- Não precisa; adeus.

 

 VII

 

Quando entrou a semana seguinte, já na véspera do dia em que Oliveira se dispunha a sair e visitar o comendador, recebeu uma carta de Magalhães.

Leu-a com pasmo:

"Meu querido amigo, dizia Magalhães; desde ontem tenho a cabeça fora de mim. Aconteceu-me a maior desgraça que podia cair sobre nós. Com mágoa e vergonha to anuncio, meu prezadíssimo amigo, a quem tanto devo.

"Prepara o teu coração para receber o golpe que já me feriu, e por muito que ele te faça sofrer, não sofrerás mais do que eu já sofri..."

Saltaram duas lágrimas dos olhos de Oliveira.

Adivinhava mais ou menos o que seria. Cobrou forças e continuou a leitura:

"Descobri, meu querido amigo, que Cecília (como direi?), que Cecília me ama! Não imaginas como me fulminou esta notícia. Que ela não te amasse, como ambos desejávamos, era já doloroso; mas que se lembrasse de consagrar os seus afetos ao último homem que ousaria opor-se ao seu coração, é uma ironia da fatalidade. Não te contarei meu procedimento;. facilmente o adivinharás. Prometi não voltar lá mais.

"Queria ir eu mesmo comunicar-te isto; mas não ouso contemplar a tua dor, nem te quero dar o espetáculo da minha.

"Adeus, Oliveira. Se a fatalidade ainda consentir que nos vejamos (impossível!), até um dia; se não... Adeus!"

Adivinha o leitor o golpe que esta carta descarregou no coração de Oliveira. Mas é nas grandes crises que o espírito do homem se mostra grande. A dor do apaixonado superada pela dor do amigo. O final da carta de Magalhães aludia vagamente a um suicídio; Oliveira deu-se pressa em ir impedir esse ato de nobre abnegação. Demais, que coração tinha ele, a quem confiasse todos os seus desesperos?

Vestiu-se apressadamente e correu à casa de Magalhães.

Disseram-lhe que não estava em casa.

Oliveira ia subindo:

- Perdão, disse o criado; eu tenho ordem de não deixar subir ninguém.

- Razão demais para eu subir, respondeu Oliveira, afastando o criado.

- Mas...

- Trata-se de uma grande desgraça!

E subiu apressadamente a escada.

Na sala, não havia ninguém. Oliveira entrou afoitamente no gabinete. Achou Magalhães sentado à secretária inutilizando alguns papéis.

Perto dele, havia um copo com um liquido vermelho.

- Oliveira! exclamou ele, quando o viu entrar.

- Sim, Oliveira, que vem salvar a tua vida, e dizer-te quanto és grande!

- Salvar-me a vida? murmurou Magalhães; quem te disse que eu?...

- Tu, na tua carta, respondeu Oliveira. Veneno! continuou ele, vendo o copo. Oh! nunca!

E despejou o copo na escarradeira.

Magalhães parecia atônito.

- Eia! disse Oliveira; dá cá um abraço! Este amor infeliz foi ainda um lance de felicidade, porque conheci bem que coração de ouro é esse que te bate no peito.

Magalhães estava de pé; caíram nos braços um do outro. O abraço comoveu Oliveira, que só então deu largas à sua dor. O amigo consolou-o como pôde.

- Bem, disse Oliveira, tu que foste causa indireta da minha desgraça, deves ser agora o remédio que me há de curar. Sê eternamente meu amigo.

Magalhães suspirou.

- Eternamente! disse ele.

- Sim.

- Minha vida é curta, Oliveira; eu devo morrer; se não for hoje, sê-lo-á amanhã.

- Mas isso é uma loucura.

- Não é: eu não te disse tudo na carta. Falei-te do amor que Cecília me tem; não te falei do amor que lhe tenho eu, amor que me nasceu sem eu pensar. Brinquei com fogo; queimei-me.

Oliveira curvou a cabeça.

Houve um longo silêncio entre os dois amigos.

Ao cabo de um longo quarto de hora, Oliveira ergueu os olhos vermelhos de lágrimas e disse a Magalhães, estendendo-lhe a mão:

- Sê feliz, que o mereces; não tens culpa disto. Procedeste honradamente; compreendo que era difícil estar ao pé dela sem sentir o fogo da paixão. Casa com Cecília, pois que se amam, e fica certo de que serei sempre o mesmo amigo.

- Oh! tu és imenso!

Magalhães não ajuntou nenhum substantivo a este adjetivo. Não nos é dado perscrutar o seu pensamento interior. Caíram os dois amigos nos, braços um do outro com grandes exclamações e protestos.

Uma hora depois de ali haver entrado, saía Oliveira triste mas consolado.

- Perdi um amor, dizia ele consigo, mas ganhei um verdadeiro amigo, que já o era antes.

Magalhães veio logo atrás dele.

- Oliveira, disse ele, passaremos o dia juntos; receio que faças alguma loucura.

- Não! o que me ampara nesta queda és tu.

- Não importa; passaremos o dia juntos.

Assim aconteceu.

Neste dia, não foi Magalhães à casa do comendador.

No dia seguinte, apenas lá apareceu, disse-lhe Cecília:

- Estou zangada contigo; por que não vieste ontem?

- Tive de sair da cidade em serviço público e por lá fiquei a noite.

- Como passaste?

- Bem.

Seis semanas depois uniam eles os seus destinos. Oliveira não compareceu à festa com grande admiração de Vasconcelos e de D. Mariana, que não compreendiam essa indiferença da parte de um amigo.

Nunca houve a menor sombra de dúvida entre Magalhães e Oliveira.

Foram amigos até à morte, posto que Oliveira não frequentasse a casa de Magalhães.

 

Fonte: Contos - Machado de Assis - Série Bom Livro - Editora Ática - 16.ª edição – 1991

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RESPONDA:

 

1-     Narrador em ______________pessoa. ( tipo de narrador:_____________________)

2-     Faça o resumo por capítulo, usando suas palavras.( SÃO 7 CAPÍTULOS)

3-     Fale sobre:

a)Dama das Camélias

              b) Dom quixote

              c) Austerlitz ...Waterloo

4-     Explique os temas, relacionando-os as situações apresentadas no conto:

( O que é? Tirar o exemplo do conto.)

 a)ironia

b)hipocrisia

c)personagens interesseiras e calculistas

d)ascensão socioeconômica

e)personagens amorais

f)falta de escrúpulos

g) esperteza.

5-     Leia:  O conto "Almas agradecidas" a fim de mostrar que a postura adotada pelo narrador solicita que o leitor colabore ativamente para construir uma interpretação do texto. Para tanto, ressaltamos a importância desse narrador na construção dos personagens e observamos que a sua intrusão não é estendida a todos os personagens, resultando numa proposital relativização da onisciência. Essa construção exige cooperação por parte do leitor e permite que ele atue como coautor, o qual, adotando essa postura, constitui-se num leitor-modelo para o texto.

Em quais partes somos leitor-modelo? (PODERÁ GRIFAR NO TEXTO)

OBSERVAR A IRONIA: O NARRADOR E O LEITOR SABEM MAIS DO QUE O PERSONAGEM SOBRE A SITUAÇÃO VIVIDA DESTE ÚLTIMO. 

6-     Dentre as características do conto Machadiano abaixo, quais estão relacionadas ao conto lido? Cite a frase ou situação.

  Visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas. (FRASE/SITUAÇÃO:

  Análise psicológica profunda das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis, jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e a malícia, a sinceridade e a hipocrisia

 

  Crítica irônica das situações humanas, das relações entre as pessoas e dos padrões de comportamento. Casamento, família, religião (ideias burguesas) são envenenados pelo interesse, pelas segundas intenções e
pela malícia.

  Linguagem: estilo conciso, sentenças curtas, equilíbrio entre a linguagem e o conteúdo. Não se preocupa em descrever fisicamente os ambientes e os personagens. As descrições prendem-se aos aspectos psicológicos
mais marcantes.

  Citação de autores clássicos e da bíblia (cultura e intertextualidade)

  Infidelidade: é amplamente enfocada e torna-se curioso como Machado de   Assis ( prioriza a traição feminina)

7-     Leia  as palavras chave do conto machadiano:

  Senso de observação;   pessimismo;   ironia;   sensualidade;   senso de humor com que equilibra o pessimismo são aspectos que se sobressaem na obra machadiana.

              Quais estão relacionadas ao conto lido?

8-   Explique  a frase: O conto analisado apresenta-se como um meio de desmascarar situações hipócritas, forjadas em favor do desejo de ascensão social.

9-   Cite as características de Magalhães( Arsenal de  Guerra):

 Exemplo: Calculista, frio  e interesseiro :  antes de aceitar o convite de Oliveira (chuva/teatro) observa-o com olhos de analista da condição social, por meio de sua aparência física.

Cobiçador: quando vai ao escritório e examina tudo

Astuto:

Conversador:

Bom observador:

Dissimulado/ segundas intenções:

mesquinho:

cobiçador:

ambicioso:

cínico:

 

10- Diante das características de Oliveira( bacharel em direito),  cite a situação em que se verifica:

         Simpatia

         Bondade:

         Cordialidade:

          Ingênuidade:

Nobreza  de espírito:

 

        11- COMENTE:   Na vida real existem pessoas como o Magalhães, as quais querem sempre levar proveito em tudo o que fazem, que roubam quase tudo o que os amigos têm. 

 

 

Individual:

DÊ SUA OPINIÃO SOBRE O CONTO  E EXPONHA SEUS ARGUMENTOS.

(VOCÊ GOSTOU DESSA HISTÓRIA? POR QUÊ? O que a leitura acrescentou em sua vida? O que modificou em seu modo de pensar? Qual a mensagem deixada para você? )

 12- Fale sobre Machado de Assis

13- Fale sobre o Realismo no Brasil

14- Fale sobre o contexto histórico da época

 RESPOSTAS:  

 1- Narrador em terceira pessoa. (tipo de narrador: onisciente, mas com ironia e relativização da verdade)

2- Resumo por capítulo:

  • Capítulo 1: A história começa com uma introdução ao personagem principal e suas circunstâncias. Magalhães, descrito como uma pessoa calculista, começa a interagir com o protagonista, Oliveira, mostrando seu interesse por sua condição social e oportunidade de ascensão.
  • Capítulo 2: Magalhães observa Oliveira com olhos críticos e analíticos, querendo perceber todas as suas fraquezas e riquezas, com o objetivo de explorar isso mais tarde. Aqui já é possível perceber sua frieza e atitude interesseira.
  • Capítulo 3: A relação entre os dois se desenvolve, com Oliveira mostrando-se confiante, enquanto Magalhães vai se aproveitando da situação para enganar e manipular. Magalhães faz uma avaliação da condição de Oliveira, observando sua aparência e comportamento.
  • Capítulo 4: Magalhães começa a mostrar suas intenções ao se envolver mais com Oliveira. Ele se mostra educado e cordial, mas suas motivações são claramente egoístas. Ele manipula a situação a seu favor.
  • Capítulo 5: Magalhães começa a explorar mais intensamente as fraquezas de Oliveira. Mostra-se cínico e calculista em suas interações. Ele examina de perto a vida e a condição de Oliveira, para verificar qual é a melhor maneira de usá-lo.
  • Capítulo 6: A verdadeira natureza de Magalhães começa a ser revelada, com ele já tomando passos para concretizar seu objetivo de ascensão social. A relação entre os dois começa a se tornar mais tensa, mas Magalhães ainda mantém sua fachada amigável.
  • Capítulo 7: No final, o leitor vê a completa manipulação de Magalhães. Ele consegue alcançar seu objetivo, mas a ironia do destino surge, pois ele acaba sendo traído pelas próprias intenções egoístas. O conto termina com um desfecho irônico e crítico.

3- Fale sobre:

a) Dama das Camélias: A obra de Alexandre Dumas Filho fala sobre amor, sacrifício e a dualidade entre o desejo e a moralidade. A protagonista, Marguerite, é uma cortesã que se apaixona por um homem que busca redimir sua imagem. O tema da ascensão social e da busca por um lugar na sociedade também é muito presente, mas o destino de Marguerite é trágico, o que questiona as normas sociais e a hipocrisia que rodeiam as classes altas.

b) Dom Quixote: A obra de Cervantes é um estudo sobre a ilusão e a realidade. Dom Quixote, com sua ideia distorcida do mundo, busca viver uma vida heroica e aventureira, mas está em desacordo com as normas da realidade. A obra é uma sátira das aventuras românticas da época e uma crítica à ideia de honra e nobreza, além de tratar da sanidade e da loucura.

c) Austerlitz... Waterloo: O foco dessas duas grandes batalhas históricas oferece uma reflexão sobre a inevitabilidade do destino e as consequências das escolhas humanas. Austerlitz e Waterloo são momentos de grande importância histórica, e o autor usa esses eventos para ilustrar os efeitos de decisões individuais sobre a história coletiva e a forma como as pessoas lidam com o fracasso e a tragédia.

4- Explique os temas, relacionando-os às situações apresentadas no conto:

a) Ironia: A ironia no conto se dá pela diferença entre a percepção de Magalhães sobre sua relação com Oliveira e a realidade da manipulação que ele impõe. O leitor sabe mais sobre as intenções de Magalhães do que Oliveira, o que cria uma tensão irônica entre as personagens e o público.

b) Hipocrisia: A hipocrisia é evidente no comportamento de Magalhães, que finge ser simpático e cordial, enquanto suas intenções são egoístas e interesseiras. Ele usa as normas sociais e sua amizade com Oliveira para alcançar seus próprios objetivos.

c) Personagens interesseiras e calculistas: Magalhães é o exemplo clássico de personagem interesseiro e calculista. Ele observa as fraquezas de Oliveira, avaliando sua posição social e seu comportamento com o único objetivo de se beneficiar.

d) Ascensão socioeconômica: Magalhães está sempre tentando usar sua relação com Oliveira como uma maneira de subir na vida. Ele observa atentamente a condição social de Oliveira e tenta manipular a situação para melhorar a sua própria posição.

e) Personagens amorais: Magalhães e outros personagens no conto mostram-se amorais, não se importando com os sentimentos de Oliveira. A moralidade é subordinada aos seus próprios interesses egoístas.

f) Falta de escrúpulos: Magalhães age sem escrúpulos para alcançar seus objetivos. Ele não hesita em usar a amizade e a confiança de Oliveira para se beneficiar, mostrando uma total falta de princípios.

g) Esperteza: A esperteza de Magalhães é visível ao longo de todo o conto. Ele usa sua inteligência para manipular situações e pessoas, sempre em busca de uma vantagem pessoal.

5- Leitor-modelo em "Almas agradecidas": O narrador pede ao leitor que preste atenção nas inconsistências entre o que as personagens pensam e o que elas realmente fazem. A ironia está presente no fato de o leitor saber mais sobre os personagens do que eles sabem sobre si mesmos. Ao ser uma leitura ativa, o leitor é convidado a perceber a diferença entre a verdade percebida pelas personagens e a realidade dos eventos.

6- Características do conto machadiano relacionadas ao conto lido:

Visão objetiva e pessimista da vida: A frase que reflete isso poderia ser uma descrição de Magalhães e sua análise fria de sua própria relação com Oliveira, sem sentimentos verdadeiros envolvidos.

Análise psicológica profunda: Magalhães é descrito com profundidade, revelando suas motivações egoístas e sua manipulação cuidadosa.

Crítica irônica: A relação entre Magalhães e Oliveira é uma crítica irônica à amizade baseada no interesse, algo que Machado critica em várias de suas obras.

Linguagem concisa e equilibrada: O conto apresenta uma narrativa direta, sem rodeios, focando nas atitudes e comportamentos dos personagens, mais do que em descrições físicas.

Citação de autores clássicos e da bíblia: A obra de Machado de Assis frequentemente utiliza referências a obras clássicas e à bíblia, construindo uma intertextualidade que enriquece o conteúdo e dá profundidade à crítica social.

Infidelidade: O conto lida com traições em diferentes formas, como a traição de confiança entre Magalhães e Oliveira.

7- Palavras chave do conto machadiano:

Senso de observação: Magalhães tem um olhar aguçado para observar a posição social e os pontos fracos de Oliveira.

Pessimismo: A falta de escrúpulos de Magalhães reflete uma visão pessimista do comportamento humano.

Ironia: O conto é repleto de ironia, com o leitor ciente das intenções de Magalhães, enquanto Oliveira não percebe nada.

Sensualidade: A interação entre as personagens tem uma certa dose de sensualidade velada, especialmente no comportamento de Magalhães.

Senso de humor: O conto mistura ironia com um leve toque de humor, fazendo com que o leitor perceba as falhas humanas de forma quase divertida.

8- Frase: A história de Magalhães e Oliveira é um reflexo da ascensão social baseada em mentiras e manipulação, mostrando como as pessoas se aproveitam das situações para subir na vida sem se importar com os outros.

9- Características de Magalhães (Arsenal de Guerra):

Calculista, frio e interesseiro: Ele observa Oliveira com um olhar analítico, sempre pensando em como pode se beneficiar. Exemplo: "Magalhães observa a condição de Oliveira com olhos de analista."

Cobiçador: Quando vai ao escritório e examina tudo, mostra seu desejo de possuir o que não é seu.

Astuto: Ele age de forma estratégica para alcançar seus objetivos.

Conversador: Magalhães é hábil em conversar e manipular os outros.

Bom observador: Ele está sempre atento às fraquezas dos outros e às oportunidades para agir.

Dissimulado/segundas intenções: Finge ser amigo de Oliveira, mas está apenas buscando sua ascensão social.

Mesquinho: Ele não se importa com nada além de si mesmo.

Cobiçador: Seu desejo de ascender socialmente é sua principal motivação.

Ambicioso: Ele sempre busca mais, nunca está satisfeito com o

 

 10- Características de Oliveira (bacharel em direito):

Simpatia: Ele se mostra cordial e simpático, mas não percebe as intenções de Magalhães.

Bondade: Oliveira se comporta de forma honesta e verdadeira, confiando em Magalhães.

Cordialidade: Trata Magalhães com educação e respeito, sem suspeitar de suas intenções.

Ingenuidade: A ingenuidade de Oliveira é evidente ao confiar em Magalhães sem questionar suas verdadeiras intenções.

Nobreza de espírito: Ele age de maneira sincera e honesta, sem buscar benefícios pessoais.

11- Comentário sobre Magalhães: Pessoas como Magalhães, que buscam aproveitar-se das fraquezas dos outros e dos relacionamentos para alcançar seus próprios objetivos, realmente existem na vida real. Elas utilizam sua inteligência e carisma para manipular os outros, sempre em busca de algo mais, sem se importar com os sentimentos alheios.

 Magalhães, como personagem, personifica a ambição desmedida e a manipulação calculista em busca de ascensão social. Ele observa as pessoas ao seu redor de uma maneira fria e analítica, utilizando suas habilidades de persuasão para tirar vantagem das situações. Em sua busca incessante por poder, riqueza e status, ele não hesita em explorar as fraquezas e vulnerabilidades alheias, revelando uma natureza interesseira e sem escrúpulos. Esse tipo de comportamento é central para o conto, e reflete uma crítica ao egoísmo e à falta de princípios morais que, muitas vezes, caracterizam aqueles que buscam alcançar o sucesso a qualquer custo.

Na sociedade atual, vemos muitos traços de personagens como Magalhães em algumas pessoas, especialmente em contextos onde o sucesso e o status social são extremamente valorizados. A ascensão social, financeira ou profissional pode ser vista como um objetivo, e, muitas vezes, as pessoas se valem de qualquer meio necessário para alcançá-lo, sem considerar as consequências para os outros. A manipulação, o jogo de aparências e as intenções dissimuladas são comportamentos que podem ser encontrados tanto em ambientes corporativos quanto em interações sociais mais amplas.

  1. Ambição sem escrúpulos: Em uma sociedade onde a competitividade está em alta, vemos pessoas que, como Magalhães, estão dispostas a usar os outros como trampolins para alcançar seus próprios objetivos. Muitas vezes, essas pessoas se mostram amigáveis e bem-intencionadas, mas, no fundo, estão apenas calculando os passos necessários para tirar vantagem.

  2. Manipulação nas relações pessoais e profissionais: Assim como Magalhães analisa Oliveira com um olhar crítico e frio, na vida real, muitas pessoas utilizam técnicas de manipulação em suas relações pessoais ou profissionais. Elas sabem como agir de maneira charmosa e convincente para encobrir suas intenções egoístas. A habilidade de se apresentar de uma forma que cative as pessoas pode ser uma ferramenta poderosa para aqueles que querem manipular e controlar.

  3. A importância do status social e das aparências: A busca por status e riqueza está muito presente na sociedade contemporânea, especialmente em um mundo cada vez mais marcado por redes sociais e pela constante comparação. O comportamento de Magalhães, que observa e avalia a condição social dos outros para entender como tirar proveito disso, reflete a maneira como muitos na sociedade atual têm uma visão de "status" como a chave para o sucesso. O culto ao "ter" e "aparecer" pode levar as pessoas a adotar atitudes como as de Magalhães para "subir na vida", muitas vezes sacrificando a ética e a moralidade.

  4. Falta de autenticidade e genuinidade nas relações: Como Magalhães, muitas pessoas hoje em dia podem adotar uma postura de cordialidade, simpatia e até de amizade, mas sem um comprometimento verdadeiro. A falta de autenticidade e de um real interesse pelo bem-estar do outro é um problema crescente. Isso pode ser notado em relações onde as pessoas aparentam uma amizade ou lealdade, mas suas verdadeiras intenções são bem diferentes. O caráter superficial das interações é uma característica de um mundo onde as relações são frequentemente orientadas por interesses e não por conexões genuínas.

Reflexão final:

Em um mundo cada vez mais individualista e competitivo, os comportamentos de Magalhães podem ser vistos como um reflexo das dinâmicas sociais que muitas vezes favorecem a ascensão a qualquer custo, colocando em segundo plano valores como a ética, o respeito e a solidariedade. No entanto, ao criticar esse tipo de comportamento em seus personagens, Machado de Assis nos convida a refletir sobre o que realmente importa nas nossas relações e em nossa busca por sucesso: será que vale a pena sacrificar nossos princípios e as pessoas que nos cercam em nome de uma ascensão egoísta? Ou seria mais saudável procurar formas de alcançar nossos objetivos com integridade e respeito mútuo?


DISSERTAÇÃO:  

 Será que vale a pena sacrificar nossos princípios e as pessoas que nos cercam em nome de uma ascensão egoísta?

Em uma sociedade cada vez mais voltada para o sucesso e a conquista individual, surge a dúvida: vale a pena sacrificar nossos princípios e as pessoas ao nosso redor para alcançar um objetivo egoísta? A busca por status, poder e riqueza tem sido, ao longo da história, uma das maiores motivações do ser humano. No entanto, a verdadeira questão é se, ao longo dessa jornada, devemos abrir mão de valores fundamentais, como a honestidade, a solidariedade e o respeito, que nos tornam humanos e nos conectam com os outros.

A ascensão egoísta, que coloca os próprios interesses acima de tudo e todos, pode ser vista como uma escolha sedutora para quem deseja conquistar rapidamente seu lugar no mundo. No entanto, ao seguir esse caminho, muitos acabam se distanciando de princípios essenciais, como a empatia, a ética e a colaboração. Ao sacrificar esses valores, a pessoa se torna mais isolada, construindo um caminho baseado na manipulação e no individualismo, onde o sucesso alcançado se torna vazio e sem significado. Além disso, essa postura pode gerar um ciclo de desconfiança e relações superficiais, afastando os outros e resultando em uma solidão difícil de ser enfrentada.

Por outro lado, a busca pelo sucesso com integridade e respeito mútuo exige um esforço consciente para manter os princípios que nos definem como seres humanos. Ao optar por uma ascensão fundamentada no respeito ao próximo, podemos construir uma trajetória de sucesso mais sólida e gratificante. Isso implica em compreender que, ao ajudar os outros a crescer e ao agir com honestidade, estamos contribuindo para um ambiente mais justo e saudável. Essa abordagem, embora demore mais para gerar resultados, tende a ser mais satisfatória, pois é baseada em relações autênticas e na construção coletiva de um futuro melhor.

É importante também refletir sobre o impacto que nossas ações podem ter nas pessoas ao nosso redor. Quando sacrificamos os outros em nome de uma ascensão egoísta, não apenas prejudicamos quem está ao nosso lado, mas também corremos o risco de perder a nossa própria identidade. Muitas vezes, na busca incessante pelo "ter" e "poder", acabamos nos desconectando dos nossos valores mais profundos, o que nos leva a uma vida de insatisfação e arrependimento. A verdadeira realização não vem do acúmulo de bens ou conquistas pessoais, mas sim da forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo à nossa volta.

Em última análise, a escolha entre seguir um caminho egoísta e desconsiderar os princípios ou optar por uma ascensão mais respeitosa e integrada à coletividade é uma questão que cada um de nós deve responder. Ao refletirmos sobre nossas atitudes e escolhas, podemos perceber que a verdadeira riqueza está na qualidade das nossas relações e no legado de integridade que deixamos. O sucesso baseado em princípios e no respeito mútuo não apenas fortalece a nossa posição na sociedade, mas também contribui para um mundo mais justo e harmonioso, onde o crescimento individual e coletivo andam de mãos dadas.


 AS BATALHAS  NAPOLEÔNICAS:  

 O tema "Austerlitz... Waterloo" faz referência a duas das mais emblemáticas batalhas na história das Guerras Napoleônicas, que tiveram um impacto profundo no destino de Napoleão Bonaparte e no equilíbrio do poder na Europa. Austerlitz (1805) e Waterloo (1815) são eventos chave que marcam o auge e a queda do império napoleônico, respectivamente, e podem ser analisados não apenas como batalhas militares, mas também como símbolos de triunfo e derrota, liderança e falhas humanas.

Austerlitz, também conhecida como a "Batalha dos Três Imperadores", foi travada em 2 de dezembro de 1805, e é considerada uma das maiores vitórias militares de Napoleão. Ela envolveu o exército francês enfrentando as forças combinadas da Rússia, Áustria e outros aliados. Napoleão, com sua habilidade estratégica e liderança, conseguiu derrotar uma força numericamente superior, consolidando sua posição como uma das figuras mais poderosas da Europa. Esta vitória não só consolidou o domínio de Napoleão sobre grande parte da Europa, mas também demonstrou sua habilidade de manipular o campo de batalha, tornando-o um gênio militar reverenciado.

Waterloo, por outro lado, ocorreu em 18 de junho de 1815 e marcou a derrota definitiva de Napoleão. Após um exílio na Ilha de Elba e um retorno triunfante à França, Napoleão enfrentou as forças aliadas da Grã-Bretanha, Países Baixos, Prússia e outros países europeus. Embora ele tenha sido inicialmente bem-sucedido, a batalha acabou sendo uma catástrofe devido a falhas na coordenação, a interferência de forças externas e a pressão crescente das forças aliadas. A derrota em Waterloo resultou no exílio definitivo de Napoleão para a Ilha de Santa Helena, onde ele passou o resto de sua vida. A queda de Napoleão simboliza o fim do império francês e o retorno de um novo equilíbrio de poder na Europa, marcado pela restauração da monarquia em várias nações e pelo Congresso de Viena.

Essas duas batalhas não são apenas eventos militares, mas refletem também questões mais amplas sobre o poder, a liderança e a inevitabilidade da queda. Austerlitz representa a ascensão de Napoleão, sua capacidade de superar desafios aparentemente insuperáveis, e seu domínio sobre a Europa. Já Waterloo simboliza a fragilidade do poder absoluto e a inevitabilidade do fim, mostrando como a arrogância, as falhas estratégicas e a resistência externa podem destruir até o império mais imponente. O contraste entre essas duas batalhas é uma lição sobre a efemeridade do poder e a natureza imprevisível da história.

Conclusão: A análise das batalhas de Austerlitz e Waterloo nos oferece uma reflexão profunda sobre as complexidades do poder, da liderança e da ambição humana. Enquanto Austerlitz celebra o triunfo de Napoleão e seu gênio militar, Waterloo marca sua queda dramática e a fragilidade dos impérios. Essas batalhas ilustram como o destino de grandes líderes e impérios pode ser decidido por uma série de fatores imprevisíveis, e como o sucesso pode rapidamente se transformar em fracasso. O legado de Napoleão é, assim, uma história de grandeza e ruína, uma lição sobre os altos e baixos do poder que continua a ressoar na história e nas reflexões sobre a natureza humana.

 RESUMO: As batalhas de Austerlitz (1805) e Waterloo (1815) representam os altos e baixos do império de Napoleão Bonaparte. Austerlitz foi uma grande vitória, onde Napoleão derrotou uma coalizão de forças superiores em número, consolidando seu poder na Europa e mostrando sua habilidade estratégica. Já Waterloo marcou sua derrota definitiva, resultante de falhas estratégicas, falta de coordenação e a intervenção das forças aliadas. A derrota em Waterloo levou ao exílio de Napoleão para a Ilha de Santa Helena, simbolizando o fim do império francês. Essas batalhas ilustram a efemeridade do poder, mostrando como grandes triunfos podem rapidamente ser seguidos por quedas inesperadas. A história de Napoleão, com seus sucessos e fracassos, ensina sobre a fragilidade do poder e a natureza imprevisível do destino.

 

 


 

 

 

 

 

 

 

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